A Roberta Densa, responsável pelo editorial jurídico da Atlas, provocou-me a escrever livro comentando as súmulas do STF e do STJ sobre Direito Tributário. Como terminei a atualização do Baleeiro, aguardo a data para defesa da tese (também já concluída e depositada) e estava pondo em prática alguns projetos editoriais de longo prazo (sem pressa mas sem pausa), resolvi aceitar. A idéia parece boa.
Selecionei as súmulas, e comecei a trabalhar.
Talvez poste aqui algumas delas, só a título de amostra, até para colher enriquecedores comentários dos leitores.
Aceito sugestões sobre conteúdo e forma do livro.
E, de logo, deixo aqui o rascunho dos comentários que fiz à Súmula 360/STJ:
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Súmula 360/STJ - “O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo.”
- Publicada no DJe de 8/9/2008
Comentários
O instituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do CTN, consiste na exclusão da responsabilidade por infrações (com o conseqüente afastamento das penalidades pecuniárias delas decorrentes) em virtude de o sujeito passivo as haver levado ao conhecimento da autoridade administrativa, pagando o tributo correspondente, antes de iniciado contra ele qualquer procedimento administrativo destinado a apurar essa irregularidade.
Exemplificando, se um contribuinte realiza operação tributável e não a registra em sua contabilidade e nem paga o tributo correspondente, poderá, arrependido, levar essa infração ao conhecimento da autoridade e pagar apenas o tributo, acrescido de juros, tendo direito à dispensa de quaisquer penalidades, as quais, de outra forma, caso a infração houvesse sido descoberta pelo próprio fisco, seriam exigíveis. Mas o contribuinte deverá fazê-lo antes de iniciado qualquer procedimento de fiscalização destinado a averiguar a regularidade no recolhimento do citado tributo, pois, do contrário, iniciado um procedimento dessa natureza, sua denúncia não será considerada “espontânea”.
É fácil de compreender a lógica subjacente ao instituto em exame. Pretende-se estimular o contribuinte que praticou uma infração a regularizar sua situação, beneficiando-o com a exclusão das multas. É um atrativo para que o contribuinte infrator não prefira apostar na ineficiência do aparato de fiscalização tributária e na eventual consumação da decadência.
Nesse contexto, diversos conflitos têm surgido entre contribuintes e a Fazenda Pública, sobretudo porque esta não raro adota interpretações que visam a restringir ao máximo o alcance do art. 138 do CTN. Um desses conflitos foi o que originou a Súmula 360 do STJ, e está relacionado diretamente às peculiaridades do lançamento por homologação e à jurisprudência que se formou em torno dele.
Como se sabe, lançamento por homologação é aquele no qual o sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário) realiza todo o trabalho de apuração, de quantificação do tributo devido, pagando desde logo a quantia apurada (CTN, art. 150). Por outras palavras, é o sujeito passivo quem, “de fato”, faz o lançamento, que, entretanto, por ser ato privativo da autoridade administrativa, somente com a homologação desta se considera consumado.
No âmbito dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, no que mais de perto interessa à compreensão da súmula em comento, podem ocorrer as seguintes situações:
1) A autoridade discorda da apuração e, por conseguinte, do pagamento efetuado pelo sujeito passivo, considerando que quantia efetivamente devida é menor. O pagamento feito pelo sujeito passivo, nesse caso, foi maior que o devido. Em tal hipótese, a autoridade deveria proceder à revisão de ofício do lançamento e à restituição do indébito tributário. Entretanto, como as autoridades brasileiras parecem entender que seu ofício é simplesmente arrecadar, e não cumprir a lei, isso jamais acontece.
2) A autoridade discorda da apuração, e, por conseguinte, do pagamento efetuado pelo sujeito passivo, considerando que a quantia efetivamente devida é maior. O pagamento feito pelo sujeito passivo é considerado, em tal hipótese, insuficiente. Nessa situação, a autoridade deve proceder ao lançamento de ofício revisional, exigindo as diferenças eventualmente apuradas, as penalidades eventualmente devidas (v.g., em virtude do vício que levou ao pagamento insuficiente). Nesse caso, ao sujeito passivo é assegurado direito de defesa no âmbito administrativo, sendo possível a apresentação de impugnações e recursos que, até que sejam definitivamente apreciados, mantêm suspensa a exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, III).
3) A autoridade não discorda da apuração feita pelo sujeito passivo e a ela declarada, tendo havido, contudo, inadimplemento da quantia apurada. Por outras palavras, o sujeito passivo apurou a quantia devida, no âmbito do lançamento por homologação, mas não procedeu ao pagamento, no prazo legalmente previsto, dessa quantia que ele próprio apurou e declarou devida ao fisco. Em situações assim, a jurisprudência entende não ser necessária a feitura de lançamento de ofício. Como o fisco já tem conhecimento da apuração, pode simplesmente acatá-la (homologando-a expressamente), e encaminhá-la para cobrança. Segundo o STJ,
“(...) nos tributos lançados por homologação, verificada a existência de saldo devedor nas contas apresentadas pelo contribuinte, o órgão arrecadador poderá promover sua cobrança independentemente da instauração de processo administrativo e de notificação do contribuinte.” (STJ, 2.ª T, AGA 512823/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15/12/2003, p. 266.)
Diante desse entendimento, a Fazenda Pública considerava que o contribuinte enquadrado na situação “3” não teria direito à exclusão das penalidades correspondentes (multa moratória). Entendia que o art. 138 do CTN não abrangia as situações configuradas como “mero atraso”. Apenas aquele que se enquadrasse na situação “2”, caso procedesse ao pagamento das tais diferenças antes do início de uma fiscalização destinada a apurá-las, teria direito à aplicação do instituto da denúncia espontânea.
Os contribuintes, por sua vez, defendiam que o art. 138 não faz expressamente qualquer distinção entre multa pelo descumprimento de obrigação acessória, ou multa pelo atraso no pagamento do tributo, ou entre multa punitiva e multa moratória. Assim, feito o pagamento do tributo, em atraso, mas antes de iniciado qualquer procedimento fiscal tendente a apurá-lo, o instituto da denúncia espontânea seria aplicável e deveriam ser, por isso, excluídas todas as penalidades decorrentes da mora.
O Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes que deram origem à Súmula 360, aqui examinada, deu razão à Fazenda Pública, aplicando, de forma coerente, o entendimento já firme em sua jurisprudência segundo o qual, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o não-pagamento de quantias apuradas e declaradas pelo próprio contribuinte pode motivar a inscrição em dívida ativa dos valores correspondentes, e a subseqüente propositura da ação de execução fiscal, independentemente de procedimento de fiscalização, de lançamento de ofício e de processo administrativo de controle de legalidade (direito de defesa na via administrativa).
Até pode ser criticada a premissa. Afinal, o lançamento é obrigação ex lege, e o fato de haver sido feito a partir de apuração entregue pelo contribuinte não deveria eximir a Fazenda de submetê-lo ao um processo administrativo de controle interno de legalidade, tal como ocorre nas demais modalidades de lançamento. Mas, admitida a premissa, a conclusão a que chegou o STJ, relativamente à denúncia espontânea, é correta, e coerente: afinal, se a Fazenda não mais necessita de fiscalização e nem de lançamento, já podendo cobrar a quantia apurada, declarada e não paga, não se pode dizer que o pagamento posterior seja “espontâneo” ou que tenha sido feito “antes” de qualquer fiscalização.
No seguinte julgado, o STJ traça essa distinção com nitidez, esclarecendo inclusive que o direito à denúncia espontânea subsiste, mesmo no âmbito de tributos sujeitos a lançamento por homologação, quando se trata do pagamento de tributos que não haviam sido previamente apurados e declarados como devidos à Fazenda Pública (situação “2”, supra). É conferir:
“(...) A jurisprudência assentada no STJ considera inexistir denúncia espontânea quando o pagamento se referir a tributo constante de prévia Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei. Considera-se que, nessas hipóteses, a declaração formaliza a existência (= constitui) do crédito tributário, e, constituído o crédito tributário, o seu recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, não enseja o benefício do art. 138 do CTN (Precedentes da 1ª Seção: AGERESP 638069/SC, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.06.2005; AgRg nos EREsp 332.322/SC, 1ª Seção, Min. Teori Zavascki, DJ de 21/11/2005). (...) Entretanto, não tendo havido prévia declaração pelo contribuinte, configura denúncia espontânea, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a confissão da dívida acompanhada de seu pagamento integral, anteriormente a qualquer ação fiscalizatória ou processo administrativo (Precedente: AgRg no Ag 600.847/PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 05/09/2005). (...)” (STJ, 1.ª T, REsp 754.273/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 21/3/2006, DJ de 3/4/2006, p. 262).
4 comentários:
Prezado Hugo, sugiro que a sua nova obra aborde todos os aspectos da súmula número 239 do Supremo Tribunal Federal.
Boa sugestão, Felipe. Está entre as mais polêmicas. Já postei algo sobre ela em http://direitoedemocracia.blogspot.com/2007/12/smula-239-do-stf.html
Também há algo no livro do ICET, editado em parceria com a Dialética, sobre coisa julgada.
Obrigado!
Olá, Professor, meu nome é Fabrício, sou de Cacoal-Rondônia. Descobri o seu site por meio do blog do Prof. Geroge Lima do qual sou frequentador assíduo. Gostei muito, estou lendo todo dia seu blog e aprendendo Direito Tributário. Muita gente aqui já conhece você dos cursos telepresenciais de Pós-graduação do LFG. Esses cearenses são "danados" mesmo! Eu consegui, aliás, como professor de Direito Constitucional, trazer o Geroge até Cacoal. Foi uma satisfação tê-lo aqui. Espero um dia que você também venha nos visitar. A Amazônia é sensacional! Parabéns!
Um abraço. Fabrício Andrade
Fabrício,
Obrigado. Tenho realmente muita vontade de conhecer a amazônia.
um abraço,
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