domingo, 22 de novembro de 2009

Cuidado com esse autor!!!

No livro, basicamente, ele se propõe a resgatar ou salvar a justiça e a igualdade. Mas resgatar ou salvar do quê? O que as estaria colocando em risco, ou o que as teria raptado, tornando necessário o "salvamento"? Segundo ele, a Teoria da Justiça, de John Rawls, sobretudo em face do chamado "princípio da diferença." É, em suma, um crítico de Rawls, e o livro é a sua mais recente obra.
Roberto Gargarella, em livro publicado pela Martins Fontes (sobre Rawls e seus críticos), já havia feito comentário sobre os críticos de Rawls, inclusive sobre Cohen. Seu livro é mais amplo, pois trata tanto de críticos à esquerda (v.g., Cohen), como à direita (p.ex., Nozick) de Rawls. Entretanto, Gargarella é um defensor de Rawls. Cita os críticos e os rebate. E, o mais importante: dá a sua visão do pensamento dos críticos.
Resolvi, por isso, ler diretamente um deles. Daí o interesse, agora, pelo livro de Cohen.
Estou ainda no início do livro, e não tenho o propósito de comentá-lo agora aqui no blog. Farei isso quando a leitura estiver mais adiantada. Por enquanto, meu interesse se resume a uma questão epistemológica, ou de teoria do conhecimento.
Em princípio, sou simpático às idéias de Rawls. Não as endosso todas, mas, no geral, considero-as procedentes. Minha tese, que nos próximos dias deve ser lançada pela editora Atlas sob o título "Fundamentos do Direito", procura demonstrar que o ordenamento jurídico deve ser construído em ambiente de liberdade, igualdade e democracia, e procura explicar por quê. Embora o faça por caminhos diferentes (diriam os rotuladores, talvez, mais "habermasianos"), chega a conclusões bem semelhantes.
Por que, então, estaria eu lendo um livro de um crítico de Rawls?
Ora, e por que eu não deveria lê-lo? Talvez se devam ler justamente aqueles livros que contém idéias diversas das nossas, e não apenas aqueles que dizem coisas com as quais concordamos. Afinal, quero encontrar (o que me parece ser) a verdade, ou quero apenas encontrar pessoas que reforcem o meu ponto de vista inicial? Parece incompatível com o caráter aberto da ciência essa mania, que muitos têm, de nem chegar perto de "certos autores", que cometem o pecado mortal de defender idéias bastante diferentes das nossas. Parece coisa de um fanático religioso que não se aproxima de escritos de outras religiões por serem "coisas de satanás".

Não obstante, como disse, é comum. Lembro bem de professor(a) que tive no doutorado, que, diante do interesse que lhe revelei ter para conhecer as idéias de Robert Nozick, disse-me:
- Você não deveria ler esse autor. Se o fizer, de qualquer modo, tenha Muito cuidado com ele!!!

Quando perguntei, ingenuamente, o motivo, ele(a) respondeu:
- Ora, porque se trata de um ultra-liberal!

Ora, W.T.F., qual o problema de ler um ultra-liberal? O risco de me convencer de algumas de suas idéias? Como vou saber que estão erradas, se não as conhecer?
Li Nozick. Dos livros que li, e até onde os entendi, concordei com parte de suas idéias. Encontrei muitas coisas interessantes, como se poderá perceber das referências que fiz em minha tese. Mas vi que muitas das coisas que ele defende são exageradas, e me parecem equivocadas. Mas só posso dizer isso porque o li.
Quero fazer agora o mesmo com Cohen. Mas não consigo não rir quando lembro do conselho para "ter cuidado" com quem escreve idéias diferentes das nossas. É como se mudar de idéia, em matéria de ciência, fosse um perigo, quando é justamente a possibilidade de fazê-lo que caracteriza o conhecimento científico enquanto tal. E pior: como se nossas idéias fossem fracas, e não pudessem resistir à leitura de quem defende coisa oposta. Assim, por segurança, o melhor seria ficar longe...

9 comentários:

Feitosa Gonçalves disse...

Perfeito!

É uma pena que ainda exista nas Academias uma espécie de fechamento (pseudo)respeitoso: Estuda-se determinados autores que defendem ideias próximas das que o estudioso já tem, em relação a quem pensa diferente, procura-se ignorar, quando se critica, geralmente é de forma velada, sem promover o debate...

Quem perde com isso? A própria ciência do direito...

J.L.Tejo disse...

Tudo -não só o Direito- avança justamente com o embate de idéias antagônicas. É a dialética da vida, daí Engels dizer, no "Anti-Duhring": "A vida não é, pois, por si mesma, mais que uma contradição encerrada nas coisas e nos fenômenos, e que se está produzindo e resolvendo incessantemente: ao cessar a contradição, cessa a vida e sobrevém a morte".

Sem embate com o pensamento oposto, não se avança. Só os pouco convictos de suas próprias teses é que temem escutar a tese alheia.

Bem oportuno o post, portanto, parabéns.

GVale disse...

Muito bom, Hugo! Isso tudo me lembrou duas circunstâncias interessantes de minha "vida acadêmica":

1) Em 1997, quando ainda no segundo semestre de faculdade, ao retornar do Simpósio Internacional de Autopoiese, em Belo Horizonte, Arnaldo me chamou à frente para me sabatinar sobre as ideias de Teoris de Sistemas e de Autopoiese aplicadas ao Direito. Foi a primeira vez que vi Arnaldo Vasconcelos engolir seco e ficar sem resposta quando, depois de tanto querer me expor - para não dizer humilhar - na frente da turma, eu respondi, "Professor, não fui ao Simpósio por concordar com tais ideias. Fui para conhecer as teorias às quais penso me tornar simpático um dia."

Por causa disso, poucos meses depois podemos nos encontrar - você e eu - naquele curso de epistemologia. Professor Arnaldo tem seu valor DEMAIS! :)

2) Apesar de não ser vegetariano ou defensor dos direitos dos animais - mesmo que seja filiado ao Greenpeace -, quando comecei a fazer Filosofia, deparei-me com as ideias de um filósofo australiano chamado Peter Singer. Seu livro mais conhecido, provavelmente, se chama "Ética Prática" e possui um apêndice comentando os motivos de sua leitura ter sido banida na Alemanha (não só a leitura deste livro, mas das próprias ideias desse autor).

Hoje concordo com muito do que ele diz e pretendo, um dia, desenvolver um projeto multidisciplinar de tese de mestrado sobre a Dignidade da Pessoa Humana X a Santificação da Vida Humana - no Mestrado em Direito, por aspectos jurídico-constitucionais; na Filosofia, em aspectos éticos.

É isso. Obrigado por me trazer tão boas lembranças e motivações. Forte abraço! :)

Unknown disse...

O site é: www.democracia-fraudada.com

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Pois é, Feitosa. Quem perde é a própria ciência...

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Tejo,
É verdade. Se temos convicção de nossas teses, por que temer ouvir as opostas?
E mais: por que ter medo de mudar de idéia? Se a outra parecer mais correta, que mal há nisso?

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Germano,
Ainda lembro de sua ida a esse seminário e os debates posteriores com o Prof. Arnaldo. Acho que a Raquel, que era da sua turma, contou-me, e você mesmo o fez em seguida, no curso de epistemologia. Por sinal, muito bom aquele curso. Estava pensando em montar grupo análogo para discutir temas correlatos. O que acha?
Quanto ao Singer e aos animais, a idéia é muito boa. Aguardo para conhecer o resultado de sua pesquisa.
um abraço!

Anônimo disse...

Dr Hugo, gostei muito do seu site. Adicionei aos meus favoritos.

Abraço,

Ricardo.
http://rvlei.blogspot.com

Gabriel Marques disse...

Prezado Professor Hugo,

Gosto muito do seu blog, e acompanho regularmente as postagens. Inclusive, compartilho inteiramente suas ideias a propósito desta tentativa de sacralizar alguns autores na área jurídica, o que faz com a crítica seja muitas vezes esquecida.

Fiz referência expressa ao seu post em meu blog, cuja primeira postagem retrata justamente o uso do argumento de autoridade e ao que chamo de lógica da circularidade.

Abraço e parabéns!
Gabriel Marques
www.portalconstitucional.blogspot.com