A seguinte decisão do STF poderia se limitar à primeira parte da ementa. De fato, faz tempo que a Corte fixou entendimento de que as taxas judiciárias podem ter como critério de determinação de seu montante o valor da causa, desde que haja teto razoável legalmente estabelecido, que evite eventual restrição do acesso ao Judiciário causado por taxas em valores absurdos.
"ADI N. 3.826-GORELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 14.376, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2002, DO ESTADO DE GOIÁS. REGIMENTO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS DA JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. VALOR DA CAUSA. CRITÉRIO DE COBRANÇA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 5º, INCISO XXXV; 145, INCISO II E § 2º; 154, INCISO I, E 236, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Controle da proporcionalidade e razoabilidade das leis pelo Supremo Tribunal Federal. BANALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.1. Esta Corte tem admitido o cálculo das custas com base no valor do proveito pretendido pelo contribuinte desde que seja fixado um teto para o quantum devido a título de custas ou taxas judiciais. Precedentes.2. O ato normativo atacado não indica o valor da causa ou o bem ou negócio objeto dos atos judiciais e extrajudiciais como base de cálculo da taxa — esses valores consubstanciam apenas critérios para o cálculo. As tabelas apresentam limites mínimo e máximo.3. Alegação de “excesso desproporcional e desarrazoado”.4. Controle da proporcionalidade e razoabilidade das leis pelo Supremo Tribunal Federal.5. Limites funcionais da jurisdição constitucional. Não cabe ao órgão fiscalizador da inconstitucionalidade valorar se a lei cumpre bem ou mal os fins por ela estabelecidos.6. A fundamentação da decisão judicial não pode assentar em “vícios” produzidos no âmbito da liberdade de conformação ou no exercício do poder discricionário do Poder Constituinte.7. É admissível o cálculo das custas judiciais com base no valor da causa, desde que mantida correlação com o custo da atividade prestada, desde que haja a definição de valores mínimo e máximo.8. Como observou o Ministro MARCO AURÉLIO na ementa do RE n. 140.265, cogitando do ofício judicante e da postura do juiz, “[a]o examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após deve recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formalizá-la”. À falta desse “indispensável apoio” a solução que o juiz idealizar como a mais justa não pode ser formalizada.9. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. "
A respeito do tema, consta da nota que fiz ao art. 145 da CF/88:
Segundo o STF, as custas judiciais têm natureza de taxa, mas isso não impede que sejam calculadas em face do valor da causa ou da condenação, desde que se observe o princípio da razoabilidade. Elas não se transformam em impostos por conta disso. O importante é que a sua alíquota não seja excessiva, e que se estabeleça um teto ao valor das mesmas. Do contrário, o valor da taxa se torna exorbitante, desproporcional ao custo do serviço que remunera, em ofensa à garantia constitucional de acesso à jurisdição, consagrada no art. 5o, XXXV, da CF/88 (v. g., RTJ 112/34; RTJ 112/499). Como não estão submetidas à limitação do art. 167, IV, da CF/88, aplicável aos impostos, as taxas judiciárias podem ter o produto de sua arrecadação alocado ao Poder Judiciário, “cuja atividade remunera; e nada impede a afetação dos recursos correspondentes a determinado tipo de despesas – no caso, as de capital, investimento e treinamento de pessoal da Justiça – cuja finalidade tem inequívoco liame instrumental com o serviço judiciário” (STF, Pleno, ADI 1.926-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19/4/1999, v. u., DJ de 10/9/1999, p. 2).
Mas, como mencionei, o STF poderia ter se limitado à parte inicial da ementa. Poderia. A fundamentação utilizada pelo autor da ADI, contudo, certamente o forçou a se pronunciar, expressamente, sobre possível "desproporcionalidade e irrazoabilidade" na forma como as taxas são calculadas. E, ao fazê-lo, asseverou a necessidade de cautela com a "banalização" de tais princípios. Tal como a cláusula do "devido processo legal" nos EUA, com eles se pode dizer que qualquer coisa que não nos agrada é inconstitucional. Com a teoria da Katchanga, então, isso fica ainda mais fácil. Vindo do STF a advertência, talvez se esteja diante do sujo falando do mal lavado, mas, de qualquer modo, a sinalização feita no acórdão merece toda a atenção. Talvez se esteja partilhando, nesse ponto, da visão de John Hart Ely: se não gostam da lei, alterem-na por meio de seus representantes, democraticamente...
A teoria de Ely é fascinante. Serve de excelente contraponto a certos exageros do Judiciário, que poderiam conduzir a um governo de juízes. Mas deve ser vista com cautela. Afinal, a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade são ferramentas importantes à limitação do poder e à proteção do cidadão em face do abuso deste, quando praticado pelo legislador. A História o demonstra, sendo importante, às vezes, proteger a minoria em face dos abusos da maioria, até para que a democracia continue possível (é preciso deixar as regras do jogo a salvo de modificação pelos próprios jogadores, para que o jogo continue possível). E essa cautela deve ser maior ainda no Brasil, cuja Constituição é muito mais prolixa e minudente que a dos EUA.
Um comentário:
Infelizmente, tudo no Brasil tende a ser banalizado. Apesar de os princípios terem trazido grandes avanços ao ordenamento jurídico, também devemos observar o seu lado perigoso, principalmente por que eles compoem as "regras do jogo jurídico", assim como as leis.
Devemos ter em mente que, da mesma maneira que os direitos fundamentais, os princípios nao podem ser usados de maneira abusiva.Esse é o lado negro do Neoconstitucionalismo.
Atualmente no Brasil, podemos dizer, temos um Executivo extramamente forte, um Judiciário que vem se consolidando cada vez mais e um Parlamento vergonhoso, cheio de escandalos, o que faz com que o Judiciário e o Executivo "legislem".
Será o Judiciário o Leviatã dos novos tempos?
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