quinta-feira, 5 de maio de 2011

A morte de Osama Bin Laden





Não se para de falar, na impresa falada, escrita e eletrônica, na morte de Osama Bin Laden. E o que mais se discute, basicamente, é se ele estaria mesmo morto ou não. Criam-se teorias conspiratórias em torno do assunto, sendo comum a afirmação de que ele não teria sido morto de verdade. Tal como Elvis Presley e Michael Jackson, só que às avessas, muitos o terão como vivo por ainda muito tempo.
Bom, mas neste post não pretendo discutir isso. Parece-me que há aspecto muito mais importante a ser debatido, e que não vem merecendo a devida atenção. Trata-se da FORMA como ele foi morto, pelo que se diz.
Admitindo como verdadeiro tudo o que as autoridades americanas afirmam, tem-se que: (1) Helicópteros americanos adentraram o espaço aéreo de um Estado soberano (Paquistão); (2) soldados descidos dos tais helicópteros invadiram a residência de Bin Laden, à noite; (3) esses mesmos soldados mataram Bin Laden, que estava desarmado, porque ele "não teria aceitado se entregar".
Vejam. Não estou aqui defendendo Bin Laden. Muito pelo contrário. Ele parecia ser um louco, e nenhum dos atos que se imputam a ele é justificável sob qualquer aspecto. O que defendo, porém, são os direitos humanos, e o devido processo legal, sendo certo que, por pior que seja como pessoa, ele é (ou era) deles titular também. Slobodan Milosevic cometeu crimes de guerra, genocídio, mas foi preso para ser julgado por um Tribunal Internacional, e não sumariamente executado. O mesmo se deu, embora em contexto um pouco diferente, com os oficiais nazistas ao final da Segunda Guerra Mundial, no Tribunal de Nuremberg. Bin Laden, por mais grotescos que tenham sido os crimes que cometeu, deveria ter sido capturado e julgado. E não sumariamente executado em sua própria casa, desarmado.
Nesse ponto, concordo inteiramente com Erhart Koerting, ministro do Interior da cidade-Estado de Berlim, que disse: "Como advogado, eu preferia ver (Bin Laden) sendo levado a julgamento no Tribunal Penal Internacional".
Para uma nação cuja história é referência obrigatória quando se estudam os Direitos Fundamentais e a Democracia, condutas como essa, cujo espírito se revela em imagens como a da caneca que abre este post, não deixam de ser altamente contraditórias, e desanimadoras.

16 comentários:

JPM disse...

Olá,

Oportuna a sua postagem mas, ela parte do princípio que tudo que é divulgado a respeito do Bin Laden seja aquilo que o governo dos EUA afirma.

Se eu levar em conta o que foi dito em 2002 no Fórum Social Mundial por um cientista norte-americano ("foi visto saindo da indústria da família Bush, de quem é sócio, e embarcando numa limusine"), a questão toda toma, necessariamente, outros contornos.

Saúde e felicidade.
JPMetz

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

JPM,
Sim, eu propositalmente parti da premissa de que tudo o que se diz de pior a respeito do Bin Laden é verdade, não porque eu concorde (a rigor, não sei), mas porque meu propósito foi o de dizer que MESMO ASSIM a sua execução sumária e sem julgamento, em sua residência, à noite, em território estrangeiro, não se justifica.

Raul Nepomuceno disse...

Supondo por um instante que esta versão divulgada pelos EUA seja inventada ou distorcida - e ainda assim gravíssima à luz dos chamados "direitos humanos" -, fico imaginando o que poderia ter sido ocultado pela Casa Branca e que tornaria esse evento ainda mais condenável sob a perspectiva dos chamados "direitos humanos. Tortura? Vilipêndio a cadáver? Bin Laden é (era) inocente de todas os crimes imputados a ele? Ele ainda está vivo e tudo foi forjado?

Não consigo imaginar nenhuma versão "boa".

Se esta versão resumida no post foi meticulosamente pensada e elaborada para ser trazida a público, se isso é o "melhor" que eles podem com os fatos para torná-los, digamos, "justificáveis", então a coisa foi feia mesmo, tendo em vista os chamados "direitos humanos".

Eu concordo que houve violações a regras de direito internacional, especialmente ofensa à soberania do Paquistão e ofensa aos chamados "direitos humanos".

Mas eu gostaria de saber, Hugo, e pergunto como filósofo e não como jurista: (1) por que Bin Laden é (ou era) titular de direitos humanos, pressupondo que ele seja (ou tenha sido) um terrorista responsável pelo planejamento e morte de milhares de civis? (2) As normas do chamado "direito internacional" são mesmo "normas jurídicas"? Um ordenamento ineficaz, com sanções pouco institucionalizadas e aplicadas apenas a uns e não a outros, pode ser considerado um ordenamento jurídico?

P.S. A parte dessa história que ficou mais marcada em mim foi Barack Obama dizendo, em tom altivo: "Justice has been done".

Não consigo tirar isso da minha cabeça.

Bruno disse...

Prezado Raul, sem entrar em toda a discussão, mas apenas já oferecendo uma resposta à primeira pergunta como filósofo: "(1) por que Bin Laden é (ou era) titular de direitos humanos, pressupondo que ele seja (ou tenha sido) um terrorista responsável pelo planejamento e morte de milhares de civis?"

Acredito que a própria ideia de direitos humanos supõe que se é titular de um "direito humano" pelo fato único e simples de pertencer à espécie humana, seja quem seja, faça o que faça, inclusive a pior das pessoas. Ou seja, do ponto de vista filosófico (e não jurídico), para o Bin Laden não ser titular de direitos humanos (digo isso a partir da ideia desses direitos), seria antes necessário privar-lhe da condição humana. Só em não sendo ele um ser humano, ele não seria titular de um direito humano.

Saudações.

Joyciane Marques disse...

Excelente post. Mt bom ver q, mt embora haja essa qse alienção em massa, pessoas n saem do foco. E só sendo metida e me imiscuindo na discussão sobre mesmo sendo o monstro (sic?) q foi Osama Bin Laden, ele continuaria sendo detentor dos DH´s... Isso me leva a conceitos como inalienabilidade e irrecusabilidade. No mais, deveria ter havido mesmo (pressupondo serem verídicos todos o "causos") uma igualdade de tratamento com os demais "monstros" (e n menos perigosos) citados. Parabéns pelo texto. Sinto-me honrada de ter sido sua aluna.

Raul Nepomuceno disse...

Olá, Bruno.

Acho que a minha primeira pergunta ficou mal formulada.

É óbvio que um titular de "direitos humanos" precisa, antes de qualquer coisa, ser um indivíduo humano. E é óbvio que a condição de "indivíduo humano" o capacita a ser titular desse tipo de direito, ao menos em princípio. Tudo bem.

Minha pergunta vai um pouco além.

Gostaria de saber por que um indivíduo humano, simplesmente por ser um indivíduo humano, é titular de direitos. O que há num indivíduo humano (ou o que é atribuído a ele) que o torna "digno" de respeito em relação a esses direitos e garantias?

Bruno disse...

Caro Raul,

Com a reformulação da sua pergunta inicial, acredito que entramos no âmbito da "justificação da ideia de dignidade humana" (tema que estou investigando atualmente no mestrado): por que somente o ser humano é digno de respeito? Sem nenhuma pretensão de aprofundar o tema, até pelo curto espaço, acredito que várias respostas ou vários parâmetros foram oferecidos ao longo da história das ideias, e isso desde a Antiguidade greco-romana. Apesar disso, só com no iluminismo, com Locke, e mais precisamente com Rousseau e Kant, é que a dignidade se desvicular da fundamentação teológica medieval e começa a adquirir os conteornos da autonomia e da universalidade que parecem haver sido reconhecidos de alguma forma pela Declaração Universal dos DH (1948). Se fundar a dignidade humana na autonomia é o melhor critério, aí é outra questão, que me parece ainda em aberto.

Raul Nepomuceno disse...

Prezado Bruno,

(1) Kant era um retribucionista; para ele, a única pena justa para alguém que matou é a morte. Sua condição de "humano" não é suficiente para protegê-lo de uma eliminação definitiva e irreversível do convívio social.

Quanto a Rousseau e Locke, estes eram contratualistas e para eles os direitos civis são fundados em um (pressuposto) pacto realizado pelos que fundaram o estado civil. Aquele que viola o contrato social e pretende subverter a vontade geral não merece destino melhor que a eliminação, segundo Rousseau. Sua condição de "humano" não é suficiente para considerá-lo descartável.

Pressupondo que Bin Laden seja um homicida e terrorista, matá-lo não seria um ato de injustiça. Claro que estou analisando apenas o ato de matá-lo em si, ou seja, estou desconsiderando a violação a direitos e garantias processuais.

Pergunto: se ele fosse julgado (direito a defesa, contraditório etc.) e condenado pelos crimes que imputam a ele, poderia ser institucionalmente eliminado sem que isso violasse direitos humanos?

(2) a questão que você diz lhe parecer em aberto é a questão central da minha primeira pergunta, que para mim também está em aberto. Minha pergunta não foi retórica; estou em busca da resposta mesmo.

Um abraço e obrigado pela possibilidade de discutir esse assunto, que me é caro.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caros Raul e Bruno,
A questão do fundamento do dever de protteção à dignidade humana realmente é muito importante, intrigante, e quase sempre é tangenciada pelos estudiosos do tema, que a pressupõe "óbvia".
Para o caso do Bin Laden, poderíamos dar respostas de várias ordens. Partindo do particular (do caso do Bin Laden em si) para o geral (a dignidade de qualquer ser humano, em qualquer outra hipótese).
1.ª) Por coerência, os EUA deveriam respeitar os DH, pois a principal acusação feita a Bin Laden (e a outros líderes não-ocidentai aos quais os EUA se opõem) é justamente a de que eles não respeitam os DH. O argumento, aqui, seria semelhante aos que dizem que a polícia não pode violar os DH na perseguição aos bandidos, sob pena de não mais se poderem diferenciar uns e outros;
2.ª) Para não se incorrer em uma petição de princípios (e falo aqui das garantias processuais): como matá-lo sem julgamento PORQUE ele é terrorista, negando-lhe o direito a um devido processo legal que seria justamente a condição para considerá-lo um terrorista? Fazendo isso, eu afirmo o processo desnecessário por pressupor uma resposta que só depois do processo eu poderia validamente obter;
3.ª) para exigir que alguém reconheça o direito como tal, e, em caso contrário, seja sujeito a uma sanção (imputável), é preciso tratar esse alguém como pessoa. O cumprimento da norma SÓ pelo medo do castigo equipara o homem ao animal. E para que a norma seja cumprida porque é reconhecida como tal, é preciso que o seu destinatário em alguma medida consinta com seu conteúdo e procedimento de criação, o que só é possível em um ambiente em que se preservam os DH.
Note que, para massacrar judeus, índios e escravos, em diferentes períodos históricos, recorreu-se sempre ao expediente de dizer-se que não eram pessoas, não tinham alma etc.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Continuando a justificativa 3, poderíamos acrescentar, ainda, que liberdade igualdade e democracia não devem ser garantidas apenas no plano interno (sob pena de não se ter como impedir um povo, todo composto de livres e iguais, democraticamente decidir dominar outro, de país vizinho), mas no plano internacional, para evitar o domínio de uma nação sobre outra.
Se os DH são pressuposto da democracia, e esta é um pressuposto de um direito legítimo, que está mais próximo de um direito ideal (seja ele qual for), é preciso assegurá-los a qualquer um, em qualquer parte.
Quanto aos outros seres, a questão é que eles, até onde se sabe, não têm capacidade neurológica de diferenciar realidade e possibilidade no mesmo grau dos humanos, de modo a criarem realidades institucionais (que só existem no pensamento, como o "mundo 3" do popper, a exemplo das regras de um jogo). Como não podem reconhecer o direito como realidade institucional, não podem ser sujeitos dele, mas apenas objetos (ainda que, como tal, devam ser tutelados, como se dá com os animais).

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Mas a sua pergunta parece mais específica. Você não indaga apenas se se devem assegurar DH a todos os humanos, mas se entre os DH deve estar necessariamente a proibição da pena de morte. Talvez se possa admitir, desde que plenamente respeitado o devido processo legal, e apenas para determinados e gravíssimos delitos, a pena de morte, desde que por meio não cruel, indolor etc.
Não é o meu caso, mas preciso meditar um pouco mais a respeito do FUNDAMENTO disso, se não quiser recorrer a algo meramente dogmático, como uma explicação religiosa (o fácil "a minha religião não permite", que dispensa qualquer outra justificativa), até porque não tenho uma.
Por ora, avento apenas a explicação calcada na provisoriedade de toda afirmação (inclusive das feitas em julgamentos, sendo certo que em matéria penal, contra o réu, a "coisa julgada" não existe). A pena de morte impediria a reparação de um erro de julgamento, em tese sempre possível, dada a sua irreversibilidade. Poder-se-ia dizer, ainda, que não há pena de morte que não seja cruel, por mais indolor que seja sua execução, eis que o sancionado sabe o que o aguarda.

Diego Mendes disse...

"Como advogado, eu preferia ver (Bin Laden) sendo levado a julgamento no Tribunal Penal Internacional".

Assino embaixo!

Sem prejuízo de reconhecer: é uma situação clara no sentido de que a pretensão de racionalidade dos direitos humanos não consegue conter plenamente a política.

Raul Nepomuceno disse...

Prezado Hugo,

primeiro quero esclarecer, como disse no meu primeiro comentário, que concordo com você que esse evento da morte de Bin Laden, qualquer que seja a versão dos fatos, foi uma ação repugnante e inaceitável à luz dos Direitos Humanos.

Apenas propus um questionamento filosófico acerca dos fundamentos últimos dessa noção de "direitos humanos". E propus a reflexão sem ter uma resposta construída sobre o tema, e realmente não tenho.

Quanto ao ponto 3 do seu comentário, tenho as seguintes indagações:

(1) Você diz que "para que a norma seja cumprida porque é reconhecida como tal, é preciso que o seu destinatário em alguma medida consinta com seu conteúdo e procedimento de criação".

Mas um terrorista (não falo especificamente de Bin Laden, mas um terrorista qualquer, com provas de prática, julgado devidamente), cujo princípio de vida é aterrorizar civis e subverter o poder de um Estado soberano ou da comunidade internacional, consente com o conteúdo das normas jurídicas às quais está submetido? "Em alguma medida" pode significar que ele consente apenas na parte que lhe diz respeito, ou seja, na parte em que as normas protegem os seus próprios interesses. Isso é suficiente?

(2)Quanto ao critério "capacidade neurológica de diferenciar realidade e possibilidade", duas questões:

(2.1) uma pessoa que tenha um dano cerebral, ou que esteja em estado vegetativo, ou um doente mental que não tenha "capacidade neurológica para diferenciar realidade e possibilidade" não é titular de direitos humanos?

(2.2) por que esse critério é melhor que o critério proposto por Peter Singer? Se o direito surge para proteger os titulares de direitos subjetivos, ou seja, para proporcionar conforto, segurança, condições para uma vida livre, enfim, para proporcionar o bem-estar dos indivíduos, por que não usar o critério "capacidade neurológica para o sofrimento"?

(3) Quanto à pena de morte, você diz: "não há pena de morte que não seja cruel, por mais indolor que seja sua execução, eis que o sancionado sabe o que o aguarda." Concordo. A dor psicológica normalmente existe e é imensa. Por isso considero as teorias de Kant e Rousseau como inadequadas para fundamentar Direitos Humanos.

Mas pergunto: e a pena privativa de liberdade, ainda que cumprida em "boas condições", não causa profundo sofrimento? Não é cruel?

Um abraço, Hugo. Sei que seus dias são bem movimentados e chego a ficar com receio de me alongar demais em minhas reflexões aqui para não ter que subtrair tempo seu.

Mas para mim é apenas uma satisfação.

Bruno disse...

Caros Raul e Hugo,

A discussão, ao que me parece, a discussão deixou de ser o fundamento dos direitos humanos ou da dignidade humana e passou a ser "se a pena de morte é compatível com estes", o que não deixa de ser um tema correlato.

(Raul), por mais que Kant seja retributivista, a sua concepção de dignidade humana parece-me incompatível com a execução sumária (ou ainda sem o devido processo legal) de uma pessoa - mesmo que esta seja o Bin Laden -, afinal ela estaria sendo tratada com um simples meio (instrumentalização).

Eu acredito que o critério da capacidade neurológica é falho, sobretudo pelo que o Raul colocou, ele não abrangeria aqueles que não nasceram com ou que perderam essa capacidade por algum motivos (doença, acidente etc.). E as pessoas em coma, os enfermos mentais graves etc.?

Kant não trata exatamente dessa questão, mas dá muito subsídio para a reflexão, sobretudo quando fala do sentimento de respeito pela lei, sentimento que só se dirige a pessoas. O critério de Kant para a dignidade humana, de fato, é a autonomia da vontade (capacidade da razão pura para ditar a suas próprias leis), mas isso não significa - na minha interpretação - que aqueles que perderam ou nasceram com essa capacidade de algum modo ou totalmente comprometida não sejam igualmente dignos do maior respeito por parte dos seus semelhantes; ou seja: mesmo os que não têm condições de exercer a sua autonomia (capacidade moral), mantêm a sua dignidade reconhecida pelos demais seres humanos (reciprocidade). O sentimento de respeito exige que, mesmo que não possui capacidade moral, seja tratado como um fim em si mesmo.

Mas aqui estou fora do caso do Bin Laden já me afastando da discussão central.

Otília disse...

Professor, gostei muito do seu post, mas gostaria de saber porque sempre é a mesma historia da parte dos Estados Unidos, primeiro, um presidente caçava os bandidos (terroristas) e foi clamado heroi americano e reeleito, depois um, que era tido como o maior lider mundial da atualidade, que disse que nao tinha como objetivo promover guerras gratuitas, que o povo americano estava cansado disso tudo, quando perde no parlamento, quando é questionado sobre sua legitimidade para assumir a presidencia e mais ainda gerir os Estados Unidos, um dia apresenta na TV a sua certidao mas ainda se vendo em baixa, comete uma das maiores atrocidades, entra no domicilio de outrem e mata sem direito de um julgamento um ser humano e se torna, vejam so "heroi americano" proximo as eleições? engraçado né? além de ngm comentar as guerras propostas pelos Estados Unidos, a matança desproporcional, por exemplo a que ta acontecendo agora na Libia com ataques da OTAN, ou as que ocorreram no dia da morte do Bin laden numa escola de crianças especiais na Libia, Bin laden estaria la?
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/04/ataque-da-otan-atinge-escola-na-libia.html

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Raul,
Quanto à questão da pessoa fora de seu juízo normal (doente, em coma etc.), ela realmente parece mostrar uma falha da teoria que põe o fundamento do direito na capacidade neurológica humana de construir e reconhecer realidades institucionais, mas o mesmo pode ocorrer em quem põe esse fundamento na razão, seja ela pura, prática, moral ou comunicativa. Afinal, aquela pessoa também não pode exercer a razão.
Pode-se objetar, ainda esse último caso, que os OUTROS que tem de respeitá-la, mesmo em coma, têm razão. É verdade. Quanto ao sofrimento, ele parece digno de ser evitado, mas sempre que penso nisso considero problemático o limite. Imagino que veneno para matar baratas e formigas, por exemplo, deve ser algo que causa muito sofrimento nesses seres. Deveria ser proibido, então? Penso que o direito deve procurar evitar o sofrimento, mas tenho ainda esse problema com o limite, que nos levaria, no extremo, a banir os próprios antibióticos (nesse caso, é certo, alguém poderia objetar com a idéia de legítima defesa). Brincadeiras à parte, sei que um chimpanzé é diferente de uma barata, mas é preciso explicar em termos mais claros essa diferença. Acho que na biologia (Dawkins, Ridley etc.) encontramos explicação para isso, na chamada "empatia", selecionada naturalmente, que nos faz ter senso de preservação tanto maior quanto mais próximos são os seres de nós mesmos (o que explica o instinto de autopreservação, do indivíduo, da prole, da família, da espécie etc., que vai se tornando tanto menor quanto mais distante o outro a ser preservado).
Essas características biológicas são, no âmbito da cultura, ampliadas, fazendo-se necessário, então, o direito.
No caso de se colocar o fundamento do direito na capacidade de reconhecer uma norma como uma realidade institucional, e não como força bruta, conclusão para a qual a proteção de liberdade, igualdade e democracia são premissas, também não é preciso que CADA UM esteja consciente de estar autolegislando. Talvez cada um deva ter oportunidade de ter, querendo e fisicamente podendo, a consciência de que tal norma é aceita, e que teria sido feita por si, se fosse o caso. E isso só se consegue se todos forem tratados com igual respeito pela ordem jurídica. Não é por outra razão que escravos, índios, judeus, etc., para terem sua degradação “justificada”, eram tidos como “não humanos”, “sem alma”, “raça inferior” etc.
A questão é de grau, e apenas acho que com a proteção às tais premissas teremos algo mais próximo do direito e mais distante da força bruta.
Quanto ao por que, sempre lembro da minha filha, quando pequena, perguntando "por que TENK"? Ela pensava ser uma palavra só (TENK = Tem que...". E então dizia: por que "tenk" tomar banho? Por que tenk dormir?... Qualquer resposta era seguida por outra pergunta dela, com outro "por que tenk...?"
Quando alguém diz que devemos respeitar os direitos humanos por respeito à dignidade humana, poderíamos, como uma criança, insistir: e por que tenk respeitar a dignidade humana? por que diminuir o sofrimento?

No caso de respeitar liberdade, igualdade e democracia, poderíamos responder: temos que respeitar tais premissas porque estamos lidando com um objeto, o direito, que será visto como tal (como direito) e não como força bruta, na proporção em que tais premissas forem respeitadas, não por uma razão sobrenatural, mas porque com isso se permitirá que ele tenha o conteúdo que os destinatários de suas normas consideram ser o conteúdo de uma norma.
Por outras palavras, a diferença entre direito e força reside na convergência entre o conteúdo posto e o conteúdo querido pelos destinatários, e essa convergência será tanto maior quanto mais se assegurarem as tais premissas. Podemos aboli-las, mas estaremos reconhecendo, então, que preferimos a força ao direito.
Não se preocupe com o tempo. Na internet é bom porque debatemos quando podemos, e na hora que nos é mais conveniente. Discutir esses temas é também uma satisfação para mim.
Abraço