O "Andar do Bêbado" deixou-me impressionado, por revelar, em termos, digamos, mais técnicos, algo em torno do que todos temos alguma intuição, e que aparece nítido em filmes como "Efeito Borboleta". Passo agora a perceber demonstrações de seu acerto em diversas ocorrências do cotidiano.
A mais recente delas (não a mais recentemente ocorrida, mas a mais recentemente constatada) diz respeito ao relativismo moral, tema que há algum tempo me interessa, e que, em larga medida, motivou, como já disse por aqui (clique aqui e aqui), minha tese de doutorado. Trata-se de uma crítica ao relativismo moral, simples e bem construída, que encontrei por acaso em um livro a que tive acesso "mais por acaso ainda".
Andava por Dublin, à procura da Peterson, para comprar alguns fumos especiais para cachimbo, para o meu sogro.
Nessa procura, próximo à Trinity University, encontro uma livraria minúscula, mas repleta de obras excelentes (e muitas desconhecidas aqui, de autores que talvez tenham maior circulação apenas na Irlanda e na Inglaterra). No meio delas, o livro de Piers Benn, no qual li o seguinte:
"...people often argue for relativism by pointing out the vast diversity of moral views, of customs ans traditions, that have held sway in different societies. The discoveries of anthropologists had an important role in making moral relativism popular, since they brought to light the diversity of moral codes in the world. They caused many people to doubt that the moral values of western Europe in the late nineteenth century reflected an eternal and universal morality. (...) It seemed obvious, then, that no one system of morality was universally valid.
Is this a good argument for relativism? (...) If moral relativism amounted only to a descriptive claim, a mere observation that different cultures believe in different moral values, it would not be a very interesting doctrine. For we already know that such cultural differences exist. But are the codes that people ought to follow, culturally determined?” (BENN, Piers. Ethics. London: UCL, 1998, p. 15)
Ele tem toda razão. Até pode ser verdade que existam, de fato (plano do "ser"), vários costumes, várias culturas etc. Mas daí não se pode concluir, necessariamente, que todas essas culturas e costumes devam ser respeitados (plano do "dever ser"). Afinal, como ensina Hume, de um "ser" não se pode extrair um "dever-ser". Não é (só) porque as coisas são de uma forma que elas devem ser assim e não de outro modo. Não é porque as pessoas eventualmente matam as outras, quando se aborrecem com elas, ou quando lhes querem tirar um relógio ou o telefone celular, que se defenderá que isso deve acontecer. Naturalmente, até se pode defender o relativismo moral, mas será necessário recorrer a outros argumentos para justificá-lo.
Mas não é meu propósito, aqui, discutir o relativismo moral ou o universalismo moral. O que provocou este post foi apenas a observação de que uma caminhada incerta à procura de uma latinha de fumo de cachimbo conduziu a um livro, que trouxe argumento interessante, que já reproduzi em minhas aulas de ética na UFC, em bancas examinadoras, neste post, que por sua vez podem ter influenciado mais alguém... O andar do bêbado.
7 comentários:
Também já esbarrei em livros por acaso e que me despertaram uma incessante curiosidade! Numa delas, logo no primeiro ano de faculdade, acabei indo a Belo Horizonte para um Simpósio Internacional sobre Teoria de Sistemas e Autopoiese. :)
Ainda hoje desenvolvo estudos sobre o tema, correlacionado a visões cíclicas da História (Toynbee, Spengler, Sorokin) e Teoria das Elites (Pareto).
Este não era um tema passível de desenvolvimento num mestrado em direito. Ainda aguardo o momento certo de "profissionalizar" esse estudo, já tendo a certeza de que tal momento chegará puramente por acaso. :)
"Mas daí não se pode concluir, necessariamente, que todas essas culturas e costumes devam ser respeitados (plano do "dever ser"). Afinal, como ensina Hume, de um "ser" não se pode extrair um "dever-ser". Não é (só) porque as coisas são de uma forma que elas devem ser assim e não de outro modo."
Esse excerto resume a opinião mais sensata acerca deste tema. Não é concebível, como seres racionais que somos, que aceitemos traços culturais quaisquer sem que haja a devida reflexão sobre a razoabilidade do mesmo. Acredito haver princípios gerais que devem reger, sem exceção, todas as sociedades de um dado contexto histórico/temporal.
Post bacana, Professor. Recentemente, também "esbarrei" (na internet, porém) com um livro sobre o relativismo moral que parece bem interessante. É o "The last word", do Thomas Nagel, que tem algumas de suas páginas disponibilizadas aqui: http://books.google.com/books/about/The_Last_Word.html?id=COkPRvqFL7oC.
O problema, a meu ver, é estabelecer que vai ser o iluminado que dirá o que é aceitável, se será Hume, se seremos nós, os bacharéis...
Mencionar que o homicídio e o roubo não são aceitáveis é argumentar pelo extremo (e quase pelo absurdo)...
Quem tem o ponto de vista privilegiado para universalizar o que é "certo" sobre temas delicados, como eutanásia, aborto, religião...
Mas vou dar uma olhada no livro! =)
É justamente esse o problema, Feitosa: quem vai dizer o que é aceitável. Em minha opinião, todos, em um ambiente democrático, o que impõe, de forma universal, o respeito à liberdade e à igualdade.
O exemplo do homicídio pode ser exagerado, mas qualquer outro serviria igualmente: de um ser não decorre necessariamente um dever ser.
Obrigado pela sugestão do Nagel, Renato. Parece mesmo interessante.
Prezado Germano,
Leve em frente sua pesquisa, amigo. Terá, com certeza, grande valor.
abraço,
Postar um comentário