Retornando de uma viagem de férias à África do Sul, no longo voo de volta, concluía a leitura do "Ciência, um monstro: lições trentinas", de Paul Feyerabend, e me veio a ideia de retomar com maior periodicidade as postagens deste blog.
Ele havia ficado um tempo parado, em função do uso mais frequente de outras mídias, como o instagram, mas percebi que elas não se excluem, nem se destinam umas a substituírem outras. As redes sociais têm esse apelo - proposital, pois é o seu negócio - de nos levarem todos para dentro delas, fazendo com que se faça por meio delas o que antes se fazia em outros sítios da internet. O problema é que o seu conteúdo - exatamente para nos manter constantemente conectados - é efêmero. Ou vemos a informação no momento em que é postada, ou depois (semanas, meses, anos...) pode ser difícil de ver ou localizar.
Por outro lado, a comunicação por meio de mensagens curtas, ou por fotografias, não suprime o uso de textos ligeiramente mais longos, que podem ser pertinentes para aprofundar um pouco o trato de certos assuntos. No blog, se pode fazer isso com a rapidez das redes sociais, mas deixando o conteúdo acessível a todos na web, e passível de localização pelo google. Por outro lado, não se tem o tempo de espera para que uma revista publique o texto, que, de resto, no blog tem uma informalidade e muito menor profundidade que aqueles publicados em periódicos especializados. Enfim, uma ferramenta a mais, que estava sem uso, e da qual, aqui, pretenderei tirar um pouco da poeira.
Trata-se de livro oriundo de uma série de palestras que Feyerabend fez na Itália, a convite de acadêmicos italianos. Ao cabo de cada conferência, ele recebia comentários, perguntas e críticas, e se manifestava sobre eles. Tudo foi reduzido a termo, e se acrescentaram, anos depois, textos escritos por esses outros professores que com ele debateram, os quais tratam de suas impressões sobre o autor, sobre sua obra, e, mais interessante, sobre os bastidores do evento e do comportamento de Feyerabend no campo pessoal.
Para quem se interessa por epistemologia, ou filosofia da ciência, a leitura é imprescindível. Feyerabend é autor de grande importância, principalmente pelas críticas que faz à visão tradicional de ciência. Assim, seria contraditório, para dizer o menos, defender a ciência (que pretende ser aberta a críticas, falibilista etc.) ignorando as críticas que lhe são feitas. Pode-se discordar delas, mas não é possível desconsiderá-las. Aliás, em ciência - como em qualquer outro contexto que se pretenda racional - deve-se ter respeito à ideia subjacente (de forma obviamente didática) ao art. 489, § 1.º, IV, do CPC: para fundamentar uma conclusão, é preciso afastar todas as razões levantadas contra ela e passíveis, em tese, de infirmá-la.
Mas o livro é indicado a quem se interessa pelo conhecimento humano em geral, e pela pesquisa acadêmica, em qualquer área. Como ocorre com outros autores que assumem posição, em princípio, aparentemente muito radical, o contraditório permitiu a Feyerabend (como se deu com Thomas Kuhn) explicar que muitas das conclusões que tiram de suas obras são erradas ou exageradas. Ele talvez tenha apenas levado Popper, de quem foi aluno, às últimas consequências, quando propôs que, do ponto de vista metodológico, "vale tudo".

E então, será que, no campo do conhecimento humano, inclusive do "saber como fazer", "anything goes"? Se alguém, usando métodos "não científicos", calcados em tradições e "conhecimentos tácitos", faz uma cerveja mais saborosa que outra feita seguindo o "método científico", escolheríamos beber qual das duas?
3 comentários:
Fico muito feliz por você ter decidido retomar as atividades do blog, Hugo. Os textos/artigos são leves e, ao mesmo tempo, riquíssimos. As referências são interessantíssimas. Saiba que ainda há pessoa acompanhando o "Direito e Democracia". Abraço.
Muito obrigado, Marcílio! Sinta-se sempre à vontade para comentar, criticar ou sugerir! Forte abraço, amigo!
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