terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Determinismo, livre arbítrio e teoria do caos

Li, no "Uma introdução à ciência das finanças" esta interessante passagem:

Reportava-se a uma velha observação de Quetelet (1796-1874), que mostrou como o livre-arbítrio individual é negligenciável em face do determinismo das grandes massas. Uma pessoa é livre de agir segundo seus impulsos e caprichos, mas o grupo, quanto mais numerosos sejam seus componentes, tanto mais se mostrará uniforme em suas atitudes. É assim previsível a atitude do grupo ou massa de indivíduos em face de certas condições, embora não se possa dizer o mesmo relativamente à reação de cada um desses indivíduos.
Teríamos, então, leis estatísticas, como as demográficas, que permitem a previsão do número de mortes, nascimentos, casamentos e outros fatos, cada ano, dentro duma coletividade, embora não se possa ter a certeza de quem vai morrer ou de que tal criatura casará. O grau de probabilidade dessas leis estatísticas se avizinha da certeza em relação às massas, possibilitando a exatidão dos cálculos das companhias de seguros de vida e acidentes à base de tábuas de mortalidade e outros elementos estatísticos.

E fiquei a pensar no seguinte.
Também na física o determinismo foi afastado. No âmbito atômico, por exemplo, há o princípio da incerteza. Não que o cérebro humano funcione pelos mesmos padrões de incerteza, mas isso, pelo menos, afasta o dogma do determinismo.

E, mesmo no âmbito de sistemas mais complexos, não necessariamente pequenos como as partículas sub-atômicas, não existe determinismo, mas sim caos. É o caso dos fenômenos atmosféricos, por exemplo. Os físicos contemporâneos reportam-se, inclusive, à teoria do caos.
Mas o interessante é o seguinte. Nos sistemas caóticos, se existe a indeterminação do comportamento de suas partes, numa visão "micro", o distanciamento do observador, em uma visão "macro", permite-lhe verificar o surgimento de um padrão.
Não é a isso que se reporta Quetelet, na passagem referida por Baleeiro?
Continuando a leitura, percebi que ele próprio parece dar essa resposta, fazendo a mesma associação que fiz quando lia a parte anteriormente citada:

O progresso da física, no século XX, veio demonstrar que, em seus domínios, os fenômenos também ocorrem apenas segundo probabilidades pelo comportamento uniforme dos conjuntos, desprezado o coeficiente de dispersão dos elementos que se afastam do grupo. Ocorre com os prótons e elétrons, na matéria, o mesmo que se sucede com as massas de pessoas dentro da sociedade. 
Abrandou-se, destarte, a separação profunda que se supunha existir entre as ciências da natureza e as da sociedade, sujeitas que são umas e outras a essas leis estatísticas, em que a probabilidade se aproxima da certeza quanto mais numeroso é o conjunto das unidades em observação. 

Na difícil incumbência de atualizador do livro, estou a verificar que ele é muito mais atual do que se imagina. Existem livros que devem ser difíceis de atualizar, não porque a legislação tenha mudado, mas porque SEUS AUTORES eram desatualizados. Não é esse o caso de Baleeiro.

2 comentários:

Rafael disse...

Por favor, professor, não propague o mal do posmodernismo no Direito. A palavra "determinismo" tem dois sentidos diferentes, um para as ciências exatas ou naturais (também chamadas de objetivas) e outro para as ciências humanas (também chamadas de subjetivas), mas nas ciências objetivas o determinismo ainda não foi afastado, procure se informar melhor. A teoria do caos, por exemplo, é uma teoria matemática para "sistemas deterministas". Einstein, celebrado pelos pós-modernistas como a prova definitiva de que "tudo hoje é relativo", era um proponente do determinismo, tanto é que ele disse "Deus não joga dados" no debate Bohr-Einsten. A diferença fundamental entre as ciências objetivas e subjetivas é o livre arbítrio humano, que é também a diferença ontológica entre objeto e sujeito. E o problema do posmodernismo é que eles querem tratar o objeto como se fosse sujeito, mas a natureza existe e funciona independentemente da vontade humana (em outras palavras, é objetiva).

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Prezado Rafael,
Não me entenda mal. Não é minha intenção propagar o mal do pós-modernismo. Na minha tese de doutorado (Fundamentos do Direito, Atlas, 2010), abri um tópico apenas para criticar o pós-modernismo, precisamente no que tange ao "mal" que você aponta em seu comentário.
Quem invoca Einstein para dizer que "tudo é relativo", com certeza conhece muito pouco do pensamento dele, mas considero que a posição dele, no debate com Bohr, terminou não prevalecendo entre os físicos. Não sou físico, mas tenho lido algo a respeito, e acredito que no nível sub-atômico o determinismo foi, sim, afastado...