quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Taxa e preço público

Prosseguindo na atualização do "Uma introdução à ciência das finanças", deparei-me com a abordagem que Aliomar Baleeiro faz da tormentosa distinção entre taxas e preços públicos.
No plano teórico, é fácil de as diferenciar. A taxa é tributo. Deve ser instituída por lei. E, para que seja devida, a vontade do contribuinte é irrelevante. Trata-se de prestação pecuniária compulsória, a teor do art. 3.º do CTN. Já o preço público, sinônimo de tarifa, é pago com fundamento em um contrato, escrito ou verbal, expresso ou tácito, celebrado com o Poder Público. Seu valor não precisa ser determinado por lei, não estando seu regime jurídico sujeito às limitações especificamente tributárias, a exemplo do art. 150, I, da CF/88.
Como disse, no plano teórico a distinção é simples.
O problema é que, na prática, não são raras as tentativas do Poder Público de ficar com o lado bom de cada uma dessas figuras. Institui, assim, uma "tarifa", para não precisar de lei a definir o valor a ser cobrado, não ter de aguardar o exercício seguinte (princípio da anterioridade) etc. etc. Mas faz compulsório o seu nascimento, exigindo-a de todos os contribuintes independentemente de qualquer condição, pelo simples fato de terem o serviço à sua disposição.
Tem-se, nesse caso, taxa ou tarifa?

Baleeiro, de forma notável, escreveu:

Um preço público, como o de fornecimento de água, p. ex., pode ser transformado juridicamente em taxa, se a lei torna compulsório o seu uso, ou o cobra coativamente, porque pôs o serviço à disposição dos moradores ou proprietários de certo local. Nesse caso, assumindo caráter tributário, está sujeito, no Brasil, à norma do art. 153, § 29, da Emenda nº 1/1969. A jurisprudência do STF assim já decidiu, declarando na Súmula n° 545.


É importante notar: a tarifa "se transforma" em taxa - submetendo-se às limitações ao poder de tributar - se for compulsório o uso do serviço, ou se a exação for cobrada de uma forma ou de outra, por estar o serviço à disposição. Em suma, se o usuário, juridicamente (e não apenas de fato, como no exemplo da última coca-cola do deserto) "não tiver escolha", não se trata de prestação contratual, mas sim de tributo. Não é tarifa, e sim taxa.

Não importa saber se quem cobra o valor, diretamente, é o próprio Estado, ou uma concessionária de serviço público. Não é isso que altera a natureza da relação. Esse era o entendimento do STJ, que já havia decidido não ter "amparo jurídico a tese de que a diferença entre taxa e preço público decorre da natureza da relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade prestadora ou fornecedora do bem ou do serviço, pelo que, se a entidade que presta o serviço é de direito público, o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a relação entre ambos de direito público; ao contrário, sendo o prestador do serviço público pessoa jurídica de direito privado, o valor cobrado é preço público/tarifa. (...) ‘Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias de tributo’. (Hugo de Brito Machado, in ‘Regime Tributário da Venda de Água’, Rev. Juríd. da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, nº 05, pág. 11).” Por essas razões, entende o STJ que o valor cobrado, em função da coleta de esgoto, tem natureza de taxa. (STJ, 1.ª T, REsp 665.738/SC, Rel. Min. José Delgado, j. em 04/11/2004, v.u., DJ de 21/2/2005, p. 114.)

O STF, contudo, não parece estar seguindo esse entendimento. De forma não satisfatoriamente fundamentada (katchanga?), simplesmente afirma que a remuneração pelos serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto tem natureza tarifária, e ponto. Isso levou, inclusive, o STJ a rever o seu belo posicionamento (EREsp 690.609-RS).

Um comentário:

Anônimo disse...

OBRIGADO AMIGO PELO BELO ARTIGO.