sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Êxodo de capitais

Acredito que uma tributação mais justa é um importante - e talvez o principal - caminho para a construção de uma sociedade também mais justa.
E a justiça da tributação passa por duas pontas.
A da entrada dos recursos, que devem ser tirados de quem maior capacidade contributiva tem, e de forma a não suprimir as liberdades que, em última análise, devem ser asseguradas a todos (inclusive aos contribuintes) e cuja proteção, promoção e universalização é uma das principais razões de ser do Estado.
E, mais importante, a da saída dos recursos, que devem ser aplicados em proveito dos mais necessitados, para lhes ampliar as liberdades, assim entendida a palavra no sentido que lhe atribui Amartya Sen.
Esse, talvez, seja o modelo de tributação que as pessas escolheriam na "posição original", vestidas com o "véu da ignorância", para usar palavras de Rawls.
Para que haja justiça na ponta do "custeio" do Estado, como já referi no post sobre minhas férias no Japão (clique aqui), é muito importante que a tributação não seja regressiva, incidindo precipuamente sobre o patrimônio e a renda, e menos sobre o consumo. Justamente o contrário do que ocorre, atualmente, no Brasil.
Freqüentemente se diz, contra a tributação progressiva da renda e do patrimônio, que isso provocaria um "êxodo de capitais", especialmente agora, com a globalização. Qual não foi minha surpresa, porém, quando vi, em Baleeiro, que o argumento não é tão novo assim, e tem adequada resposta:

"19.2. O êxodo dos capitais

Argumento muito louvado em prol de favores fiscais à burguesia, que alcançara o poder no século XIX, era o de que impostos sobre a renda e a herança provocavam o êxodo dos capitais. Estes não tinham pátria e procuravam a hospitalidade dos países, que os remuneravam bem e não os perseguiam com as exigências do Fisco.

Naquela época, havia, realmente, grande mobilidade de capitais. Era fácil transferi-los de um país para o outro. A praça de Londres funcionava como grande câmara de compensação do mundo.

Mas o argumento, pouco a pouco, foi perdendo a importância porque, para os capitalistas, o mais relevante não consistia em não pagar tributos, mas em gozar de condições jurídicas e políticas de segurança, a par de oportunidades de colocação das disponibilidades. Nações novas e irrequietas, que trocavam violenta e abruptamente de instituições e padeciam juízes corruptos, ou que não dispunham de amadurecimento tecnológico e boa rede de serviços públicos, não poderiam oferecer possibilidades de investimento. Nenhum capitalista poderia arriscar somas vultosas em indústrias nos países amenizados por endemias, banditismo, pronunciamentos militares, inflação crônica, ou destituídos de transportes ferroviários, comunicações telegráficas, Bolsas de Valores e todos os elementos de êxito dos grandes negócios.

(...)

No auge do seu esplendor, a Inglaterra foi dos países que começaram a tributar as rendas do capital. Provavelmente, os impostos americanos sobre os lucros dos investimentos e sobre a renda individual das pessoas físicas são os mais altos de todo o mundo, na atualidade. Isso não impede que Nova York seja o coração financeiro do universo e, ali, se concentrem os maiores capitais, a despeito de vigorarem impostos mais suaves no Brasil e em outros países que ainda não apresentam as mesmas condições de segurança política, jurídica ou econômica. Os homens de negócios, que os preferirem, buscarão compensação ao risco ou aos estorvos e incômodos, pedindo juros ou lucros maiores.

A instabilidade da moeda há de representar sempre um dos maiores empecilhos ao êxodo de capitais. Os países da América Central e do Sul, inclusive o Brasil, debatem-se na inflação crônica, com surtos agudos e mal reprimidos. Suas moedas não têm curso internacional, de sorte que seus governos são obrigados a lançar mão de atos de autoridade contra repatriamento de capitais ou transferência de respectivos dividendos e rendas.

A despeito desses tributos esmagadores, grande esforço desenvolve o governo americano para impedir a entrada de indivíduos de todos os povos no afã de fixação nos Estados Unidos. Com dinheiro ou sem ele, ninguém quer sair e muitos querem entrar e ficar nesse país de altos impostos.


Isso nos faz pensar... O que deve ser feito, no país, para atrair investimentos, é isentar o capital, ou trabalhar na correção dos defeitos apontados? Talvez uma tributação menos onerosa sobre o capital seja o caminho mais fácil, mas com esse caminho fácil o problema se pode agravar, num lamentável círculo vicioso. Menos recursos, mais desigualdade, mais problemas, menos incentivo ao investimento...

A propósito da invocação mais recente desses argumentos, o mesmo autor registra que quando maior

...for a tributação baseada na capacidade contributiva dos indivíduos, tanto mais atividade financeira aparece como processo de repartição de encargos e redistribuição da renda nacional. Fora de qualquer ponto de vista ideológico, essa redistribuição propicia a permanência e o crescimento da prosperidade geral, assim como as possibilidades de desenvolvimento, embora alguns sustentem que este depende da concentração de capitais em grupos restritos.

Sob esse argumento, advogam tributação benévola para tais capitais e grandes fortunas ou rendas.

As classes mais opulentas agarram pelos cabelos esses raciocínios simplistas e advogam, em nome do desenvolvimento nacional, as teses mediante as quais a burguesia, no século XIX e no começo deste, acastelou-se em privilégios fiscais, atirando ao operariado o peso dos impostos indiretos.


É incrível como o tempo passa, mas certas realidades continuam, às vezes com outros nomes, outros rótulos...

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