quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

E aí, Robin?!

Tendo em vista o avizinhar-se do Carnaval, e considerando que amanhã levarei meus filhos fantasiados para o Colégio (uma "abelhinha" de 8 anos, um homem aranha de 3 e um super-homem de 3), lembrei de um tema filosófico-sociológico da maior relevância.
Trata-se da força cogente do sentimento de grupo. A criatura humana sente a necessidade de fazer parte de um grupo, e de ser aceita por ele. Para isso, tende a querer igualar-se aos demais membros do grupo.
Como sempre, há um conjunto de forças contrárias, em face das quais se deve buscar o equilíbrio: ninguém quer ser inteiramente igual a ninguém, mas também não se quer ser "o diferente". O Prof. Agamenon Bezerra, no mestrado da UFC, lá pelos idos de 2002, gostava de falar sobre isso.
Um dado relevante é que esse "sentimento de grupo" faz com que as pessoas de dentro de um mesmo grupo sintam maior empatia umas pelas outras, aumentando-lhes a solidariedade, o altruísmo etc. Mas, por outro lado, esse mesmo sentimento de grupo exacerba o ódio pelos que estão fora do grupo, que tendem a ser vistos como um inimigo.
Talvez alguma teoria evolucionista explique isso. Deve estar gravado em nossos genes, por obra da seleção natural. Dawkins, Matt Ridley...
Bom, mas o fato é que nenhuma criatura humana faz parte de apenas um grupo. Todos integramos vários. Esse aspecto é frisado por Amartya Sen, no livro "Identity and violence".
Amartya Sen frisa que devemos deixar de classificar as pessoas de forma simplista e maniqueísta, como se cada uma tivesse sua identidade definida a partir da participação em apenas um tipo de grupo, pois isso estimula a criação de conflitos insolúveis, que incrementam a violência pois os dois lados de qualquer discussão passam a olhar para o outro como um inimigo a ser eliminado, com o qual não há acordo possível.
Na verdade, como ele alerta, as pessoas não se identificam apenas por serem "ocidentais ou orientais". Ou "católicas ou protestantes" ou ainda "cristãs ou mulçumanas". Na verdade as pessoas fazem parte AO MESMO TEMPO de vários grupos, definidos por gosto musical, religião, local de nascimento, orientação sexual, hobbies etc. E isso deve ser sempre lembrado, para que o "ódio" gerado pelo fato de fazerem parte de alguns grupos diferentes seja neutralizado por uma maior empatia decorrente de serem, também, membros de alguns grupos em comum.
Um sujeito pode ser católico, e outro ateu, ou muçulmano, e isso ser um motivo para que existam "diferenças" entre eles, mas, ao mesmo tempo, podem ambos ser defensores da liberdade de iniciativa e opositores do comunismo, o que lhes cria laços de identidade.
Em suas palavras:
"without any contradiction, an American citizen, of Caribbean origin, with African ancestry, a Christian, a liberal, a woman, a vegetarian, a long-distance runner, a historian, a schooltheacher, a novelist, a feminist, a heterosexual, a believer in gay and lesbian rights, a theater lover, an environmental activist, a tennis fan, a jazz musician, an someone who is deeply comitted to the view that there are intelligent beings in outher space with whom it is urgently to talk (preferably in English). Each of these collectives, to all of which this person simultaneously belongs, givers her a particular identity." (SEN, Amartya. Identity and violence. New York: W.W. Norton & Company. 2006, p. xii)

Nesse contexto, considerar que existem apenas "árabes x ocidentais" é um erro grosseiro, que envolve "accepting an implicit presumption that people who happen do be Muslim by religion would basically be similar in others ways as well.” (SEN, Amartya. Identity and violence. New York: W.W. Norton & Company. 2006, p. 42).

Um árabe pode ter na religião - e em questões políticas - motivos para sentir-se "diferente" em relação a um europeu católico, mas podem existir aspectos que os unem no gosto pela astronomia, ou pelo futebol, ou pela música de determinado artista, ou ainda pelo fato de serem ambos portadores de uma deficiência... 

Bom, mas alguém pode estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com carnaval e, mais ainda, com fantasias? O post começou falando de crianças fantasiadas no colégio, e então descambou para identidades e grupos...

O seguinte.

Um amigo meu, leitor deste blog inclusive, recebeu do colégio o comunicado de que haveria uma festinha "a fantasia". Providenciou, então, uma fantasia de "Robin", e foi ao colégio.
Lá chegando, ao entrar na sala de aula, sentiu aquele frio terrível correr-lhe os ossos, fazendo o estômago embrulhar e subir à boca: todos os seus coleguinhas estavam de farda. A festa era em outro dia, tendo ele confundido as datas. Um colega ainda gritou: "- E aí, Robin!!! Ieeeeeeeeeeei!"

Imaginar a vergonha dele - que deve ter sido absurda - é uma experiência que demonstra a idéia do sentimento de pertença ao grupo, ao qual me referia... Desde que ele me contou isso, confiro mil vezes as datas das festinhas no colégio dos meus filhos, e, por precaução, ainda checo na calçada, antes de entrar no colégio, como estão trajados os coleguinhas. Afinal, o trauma pode ser insuperável.

6 comentários:

George Marmelstein disse...

hahahaha

boas histórias a desse nosso amigo!!!!

George

Gustavo Pamplona disse...

Não sou expert no assunto, mas vou deixar minha opinião, digo, hipótese.

O processo de cognição do homem é baseado em modelos. Os modelos podem ser poéticos, dialéticos ou analíticos dedutivos, pouco importa. O relevante é que não é possível pensar o novo a partir do nada. Logo, diante da novidade, buscamos algo semelhante para servir de molde e, a partir daí, iniciarmos a compreensão.

A falta de "molde" gera duas consequencias.

A primeira é que sem modelos simplesmente não vemos o que está ao nosso lado. Por exemplo, há estudos que confirmam que os índios da época do descobrimento não viram as caravelas chegando. Afinal, na mente deles não havia o "molde" barco, navio etc. que serveria de apoio para ver as embarcações.

O segundo efeito é que mesmo identificando o novo, mas não havendo moldes resolúveis, portanto, o que nos resta é inventar um modelo. Noutros termos, não descobrindo o standard correto para um dado caso, inventamos um. Assim, quando vemos, por exemplo, um religioso ultra-ortodoxo e não entendemos sua cultura, no fundo, trata-se da constatação que aquele padrão não se encaixa em nosso molde ocidental. Daí que, a primeira reação é o preconceito, o molde deformado.

Posso estar completamente enganado, mas deixo aqui registrada minha hipótese: quando nos adequamos aos padrões de um grupo, o que estamos a pretender é ser visto, compreendido, reconhecido e, claro, aceito neste grupo. Mesma roupa ou mesma linguagem etc. são padrões que comunicam com os moldes de cognição dos outros.

O medo não é apenas chegar vestido de Robin na reunião de executivos. Noutro giro, ir de terno e gravata no baile de máscaras. O temor é saber que este "molde" pode não ser identificado pelos outros ou dar azo ao preconceito.

Gustavo Pamplona disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Postei este comentário também no meu blog Hipótese sobre modelos de cognição

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Pois é Gustavo, gostei de sua hipótese. Faz todo o sentido.
Quanto a ir de terno para o baile, não é que esse meu mesmo amigo, tempos depois, já crescido, foi convidado para um aniversário, que disseram ser à fantasia? Pois ele não acreditou que os colegas fossem fantasiados, e foi todo de "roupa social". Chegando lá... Todos vestidos de "havaianos" (era o tema da festa...)

Feitosa Gonçalves disse...

Ótimo post!

Se analisarmos bem, essa possibilidade (liberdade?) de o sujeito poder fazer parte de diversos grupos parece ser um advento da nossa época, em tempos passados o indivíduo estava meio que fadado a viver e morrer no grupo em que nascia... Muitas vezes até o seu papel no grupo já estava pré-definido. Basta imaginar aquelas pequenas cidades do interior, isoladas, exceto pela televisão na praça.

Me ocorreu ainda uma dúvida, esse maior acesso do indivíduo aos grupos, e dos grupos entre si, não acentuaria o conflito entre eles, num primeiro momento, antes de os sujeitos poderem perceber o que têm em comum?