segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Por que o Direito obriga?

Por que cumprimos as disposições normativas?
Essa, como se sabe, é a pergunta fundamental do direito, que tem dividido teóricos há séculos.
Será por conta da coação, ou da possibilidade de coação, subjacente à norma jurídica e desencadeada pelo seu descumprimento?
Acredito que uma análise da questão por premissas calcadas em uma antropologia filosófica não autoriza essa conclusão. Seria equiparar o homem - diz o Prof. Arnaldo Vasconcelos - ao jumento do verdureiro, que anda por força da dor causada pelo chicote que lhe bate às costas, ou pela mera imagem desde objeto, ou pelo som por ele produzido. Não há nada além da força?
Pontes de Miranda, a esse respeito, afirma que o direito que se impõe pela força é a revolução que se retarda. Concordo com ele. Não é a coação que fundamenta o direito.
Alguns autores têm afirmado que o fundamento do direito reside na moral. É o fato de as normas jurídicas consagrarem a proteção de valores morais caros à sociedade que faz com que as pessoas as respeitem. Para muitos, aliás, moral e direito natural podem ser usados como conceitos sinônimos.
Pois bem. Uma das grandes características do positivismo é a tese da "separação" entre o direito e a moral. Diz-se que o conteúdo do direito até pode ser correspondente, no todo ou em parte, à moral, mas isso não é "necessário".
Diante da possível "amoralidade" do direito, inclusive testemunhada pela História, a resposta positivista é a de que nada obriga, do ponto de vista moral, a que se cumpra a norma jurídica injusta. Carrió, por exemplo, afirma que não existe "una obligación moral de obedecer las reglas jurídicas por el mero hecho de que sean tales.” (CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4.ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot,  p. 332. Em sentido semelhante: LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Tradução de Manuel Alarcão. Coimbra: Almedina, 1974, p. 154.)

Mas não será essa justificativa um tiro que sai pela culatra? Diz-se que "não há obrigação moral" de obedecer as normas jurídicas que contrariam a moral... Então isso significa que é a moral que impõe a obrigação de observar as normas jurídicas? Divergindo intensamente o conteúdo do direito daquele indicado pela moral, desaparece o sentimento de obrigatoriedade para com a norma, que se passa a apoiar apenas no medo?

Por enquanto, a justificativa positivista da possibilidade de se descumprir a lei injusta, diante da inexistência de dever moral de observá-la, parece um tiro saído pela culatra...

4 comentários:

Danilo Cruz. disse...

Caro Hugo,

Realmente estamos diante de uma questão complicada.
Tudo depende muito do parâmetro utilizado. Para os partidários do direito natural a questão da obrigatoriedade do direito parte do racionalismo(filosófico). A razão, própria do homem, é peça chave na construção da idéia de moral, afinal é através dela que o homem segue princípios e regras de valor universal. Estamos diante de um direito metafísico mas que a razão o reconhece idependente de sua origem, seja baseada em fonte divina ou mesmo no ideal de justiça. Os partidários do positivismo não diferem muito, pois foram as idéias jusnaturais o combustível para as revoluções iluministas(foi o tiro do direito natural no próprio pé), não obstante, vê o direito baseado no racionalismo(científico) do positivismo é ter a idéia de sanção inerente em virtude da onipotência do Estado transmutado na lei. Aí a pergunta. Como fazer esse controle de justiciabilidade da lei se o Estado(SOBERANO) positivista a criou? Como fazer esse controle se não cabe ao aplicador positivista travar discussões acerca de questões como legitimidade e justiça?

abraços,

Danilo

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Pois é, Danilo, você tem razão. Mas o que eu pretendi salientar no post foi a contradição de muitos positivistas em afirmar que as teorias positivistas não sustentam a obrigação moral de cumprir normas injustas. Se é assim, se a obrigação de cumprir as normas deriva da moral (que ampara as justas mas não as injustas), isso não é o reconhecimento da procedência das críticas anti-positivistas?

Elmo Queiroz disse...

Acrescento que não há um impulso absoluto: às vezes depende da regra e, mesmo, de cada pessoa.

Um semáforo, em momento de trânsito rápido, obedecemos por reconhecer a vantagem para preservar nossas vidas; já em momento de ruas vazias, mas que tenham câmeras, é unicamente para não receber a punição.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Elmo,

É verdade. As causas, em cada caso concreto, que levam ao cumprimento das prescrições jurídicas são as mais diversas. Medo da sanção estatal, medo da reprovação social, sentimento de justiça, conveniência, estratégia etc.
Entretanto, quando indaguei, no post, por "um" fundamento, tive em mente aquele que torna o direito obrigatório ou justifica o cumprimento de suas normas NA MAIORIA dos casos.
É claro que, excepcionalmente, a força é necessária. A questão está em saber se as pessoas sempre observam as normas jurídicas só porque têm medo dela. Parece não ser o caso.
Usando o exemplo do trânsito, poucas são as regras de trânsito que só cumprimos para não sermos multados. A maioria delas cumprimos para que consigamos trafegar de forma ordenada, segura etc...