Hoje recebi uma ligação estranha, de uma pessoa revoltada, mas revoltada mesmo, porque atribuí um zero como nota ao trabalho que elaborou em disciplina da qual fui professor em um curso de pós-graduação.
Antes de dizer o que era, o que só fez depois de eu muito insistir, essa pessoa dizia apenas querer marcar "uma hora" para falar comigo. Quando indagada do assunto, respondia apenas "assunto pessoal".
Minha secretária ficou meio desconfiada, e pediu-me que falasse com a pessoa. Falei, e consegui, depois de algum diálogo, descobrir o que era, e resolver a questão por telefone mesmo.
Talvez, se tivesse marcado a hora sem saber o que era (pensando se tratar de possível cliente, quem sabe...), eu tivesse sido assassinado e nem estivesse aqui a escrever estas linhas, tamanha a inconformidade da pessoa que me falava do outro lado do fio. Não seria a primeira tentativa, embora eu seja, admito, um professor muitíssimo benevolente e arredondador de notas.
Mas a pessoa estava inconformada com o quê?
Bom, eu ministrei disciplina em uma pós-graduação em Direito Tributário. Como participo do corpo docente de pós-graduações na Unifor, na FA7, na FFB, na UVA, na ESMEC, na FESAC (todas em Fortaleza), e ainda na Escola Paulista de Direito, no LFG (São Paulo), no IEMP (Teresina), na Univali (Vale do Itajaí/SC), na FAL (Natal) etc., e como a pessoa não me ligava de Fortaleza, não lembrei do que se tratava. Mas, depois de alguma conversa, pesquisei nas pastas e sub-pastas do meu HD interno e lembrei. Foi uma pessoa que copiou o trabalho da internet.
Passei, nessa disciplina, como trabalho para atribuição de nota, a elaboração de um artigo. Às vezes dou questões para serem respondidas, às vezes passo trabalhos, e acho que o evento de hoje será definitivo para adotar de vez o uso das questões.
Ao anunciar o trabalho, ressaltei, de forma até repetitiva demais, que não copiassem da internet. Que, se pesquisassem algo na rede, citassem. Cheguei até a explicar como fazer a citação de trabalhos eletrônicos. Disse várias vezes que o trabalho poderia ter qualquer conteúdo, desde que original, que lograria a obtenção de um 7,0 (sete). Só o plágio levaria ao zero. Não havia limite de páginas: a pessoa poderia fazer um texto de uma página, tal como artigo para jornal, e com ele tirar um dez. Comecei a fazer isso - facultar o texto de uma página - quando percebi o quanto é difícil resumir uma idéia. E tenho visto o resultado na prática: poucos alunos conseguem fazer o trabalho em uma página. E geralmente são os melhores. Os demais têm uma quantidade enorme de enchimento de lingüiça.
Bom, mas a pessoa copiou o trabalho da internet, e tirou zero. Isso eu já tinha dito. Onde estava, então, a controvérsia?
É que a pessoa não copiou o trabalho inteiro. Das sete páginas que tinha o texto, incluídas introdução e conclusão, só umas quatro teriam sido plagiadas. As demais seriam originais.
Bom, pelo menos foi isso o que a pessoa disse ao telefone. Eu, quando corrigi, dei o zero assim que identifiquei diversas páginas literalmente copiadas sem aspas ou qualquer referência à fonte. Não fui pesquisar se todas as frases do trabalho tinham sido copiadas, até porque existem alunos que fazem o chamado "trabalho frankenstein", usando o CTRL+C, CTRL + V para juntar pedaços de vários textos distintos.
E o que a pessoa queria? Queria dizer que eu fiz uma grande injustiça, pois se o trabalho não tinha limite de páginas, podendo ser até de uma página só, o plágio de 3 ou 4 das sete páginas não prejudicaria as 4 ou 3 "originais", que poderiam ter sido apartadas e corrigidas de forma autônoma. Eu poderia ter corrigido só a conclusão, que não foi plagiada, e dar 10. Ou, pelo menos, fazer uma regra de três: se metade ou um terço do trabalho contém plágio, deveria atribuir à outra metade nota 5, ou aos outros dois terços nota 6,6... Essa, pelo menos, era a pretensão de quem me ligou, que disse não estar protestando contra a nota, mas contra a injusta acusação de plágio.
Na ocasião, lembrei a quem reclamava que eu até imprimi o trabalho original, da internet, e anexei ao que recebeu zero, para que qualquer pessoa - a coordenação, e inclusive a própria - pudesse aferir o rigor, ou não, da minha nota e do meu critério, comparando o texto da internet com o feito na disciplina e nele "inspirado", defender-se etc.
Lembrei, ainda, que em um concurso, em uma prova ou em qualquer tipo de avaliação não pesquisada, a "cola" enseja a eliminação do candidato, com nota zero, não importando se o aluno estava tentando pescar só a resposta de uma questão e sabia responder as outras. O mesmo, acredito, se aplica ao plágio, pelo menos quando se trata de trabalho destinado a substituir uma prova, como forma de avaliação. A pessoa, ainda inconformada, argumentou que não, que não se tratava de prova, que não estava mais em fase escolar para ficar pescando... Argumentos que, acho, a afundavam ainda mais...Dei nova chance a quem reclamava, para que fizesse novo trabalho, dessa vez original. E, com isso, a pessoa se acalmou um pouco. Prometeu fazê-lo, e enviar-me em breve para correção, admitindo "transigir" em sua justíssima pretensão inicial de ter nota mais alta no próprio trabalho copiado. Mas o fato serviu de lição em relação a diversos aspectos. Primeiro, nunca mais passar trabalhos para alunos. Segundo, a parte interessada dificilmente reconhece o erro, por mais errada que esteja. Terceiro, nunca marcar horário com alguém sem saber, antes, do que se trata. Tem cada aluno revoltado...
3 comentários:
Pois é, Hugo.
Sempre digo pros meus aluno: a internet facilitou a vida dos alunos na elaboração de trabalhos plagiados, mas também facilitou a vida dos professores para descobrirem os plágios.
Até para plagiar é preciso ser original, senão o "google" pega.
George
É mesmo.
Já imaginou? Antes, se o aluno copiava páginas e páginas de artigo encontrado em revista meio desconhecida, ou em livro diverso do adotado pelo professor, seria muito difícil para este descobrir. Mas, por outro lado, o aluno teria o trabalho de digitar, que, por si só, para alguns, já seria muito cansativo...
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