quinta-feira, 7 de agosto de 2008

STF e algemas

Noticiou o site do STF:

"STF decide editar súmula vinculante sobre o uso de algemas

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (07), por unanimidade, editar uma súmula vinculante para deixar claro que o uso de algemas somente deve ocorrer em casos excepcionalíssimos, conforme já está previsto no artigo 274 da Lei 11.689/08, que entrou em vigor em 9 de junho deste ano, e por violar os princípios da dignidade humana inscritos no artigo 5º da Constituição Federal.
O artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08 dispõe, em seu parágrafo 3º: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.
Pedreiro algemado
A decisão foi tomada pela Corte no julgamento do Habeas Corpus (HC) 91952, a partir do caso concreto do pedreiro Antonio Sérgio da Silva, mantido algemado durante todo o seu julgamento pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP), que o condenou por homicídio qualificado.
Houve entendimento unânime dos ministros de que a juíza-presidente do Júri não fundamentou devidamente a decisão de manter o réu algemado. Por isso, a Corte anulou aquele julgamento e determinou a realização de um novo. Mas decidiu, também, deixar mais explicitado o seu entendimento sobre o uso generalizado de algemas, diante do que considerou uso abusivo neste campo, nos últimos tempos.
Posição explícita
A decisão de editar uma Súmula Vinculante foi tomada a partir de uma sugestão do ministro Cezar Peluso, segundo o qual “fatos que se vêm sucedendo atualmente reclamam uma decisão mais explícita e ampla” da Corte a respeito da matéria. O ministro Marco Aurélio lembrou, nesse contexto, imagens de ex-autoridades e pessoas de destaque na sociedade serem conduzidas algemadas por policiais federais, em episódios recentes, expostas aos flashes da mídia. Por outro lado, lembrou que o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado para o Brasil por decisão da justiça do Principado de Mônaco, obteve o direito de voltar ao país sem algemas e sem ser exposto à mídia.
Também o ministro Eros Grau disse considerar importante que a Corte explicitasse bem a sua posição sobre o assunto. Segundo ele, o uso de algemas é uma prática aviltante que pode chegar a equivaler à tortura, por violar a integridade física e psíquica do réu.
Recentemente eleito presidente de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) incumbida de propor a reforma de regras sobre tratamento de presos, o ministro Cezar Peluso concordou com o relator do HC em julgamento, ministro Marco Aurélio, de que a justificativa da juíza do Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP) foi insuficiente para manter o réu algemado.
Assim como ele, diversos ministros condenaram o fato de a juíza considerar normal o fato de o réu ter comparecido algemado a juízo em todas as fases da instrução do processo e, em segundo lugar, alegar que ele deveria ser mantido algemado porque, na data do seu julgamento pelo Tribunal do Júri, havia apenas dois policiais civis para fazer a segurança. Os ministros foram unânimes ao considerar que este fato não foi provocado pelo réu e que a segurança do julgamento é responsabilidade do juízo.
Houve unanimidade, também, no sentido de que a visão de um réu algemado impressiona os presentes a um tribunal e exerce forte influência sobre os jurados. Segundo eles, o fato de um réu estar submetido a algemas induz o jurado a pensar que a decisão do juiz de mantê-lo assim foi tomada porque ele apresenta periculosidade.
O ministro Menezes Direito disse, ao proferir seu voto, que “o uso de algemas, no Tribunal do Júri, pode induzir ao julgamento de periculosidade do réu”. Por isso, segundo ele, “é absolutamente indispensável a evidência dessa periculosidade para manter as algemas”. E essa prova, segundo ele, não existiu."
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A decisão é expressiva. Primeiro, pela unanimidade. Segundo, por haver tornado vinculante o entendimento, o que mostra a difusão que a Corte está dando a esse novo instrumento de processo constitucional. É aguardar para ver os efeitos e as conseqüências disso, especialmente diante de eventuais descumprimentos. E, last but not least, por se tratar o réu de um pedreiro, para que se afaste o argumento - ideológico e preconceituoso - de que o STF só aplica os direitos e garantias fundamentais "a favor dos ricos", da "zelite" etc. Fosse a decisão proferida em favor de um réu de melhor condição financeira, todos "cairiam em cima" do STF, como se essa melhor condição financeira fosse motivo para se suprimirem direitos individuais, numa estranha forma de ação afirmativa...

Atualização:

O blog do Josias noticiou que a decisão de manter o réu algemado durante o juri, duramente criticada pelo STF, é de juíza que é filha do Ministro Peluso. Ele próprio, sem saber, teria feito severas críticas ao procedimento da filha.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei feliz pelo posicionamento do STF. A espetacularização das operações policiais, a exposição das imagens de pessoas algemadas, a falta de fundamentação concreta nos decretos de prisão preventiva e o abuso das investigações baseadas apenas em escutas telefônicas precisam de um contra-ponto racional. Existe ainda algum bom senso em nosso País!

Gameleira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Quem cria o espetáculo é a mídia, a polícia só faz o trabalho dela. O simples fato de ser conduzido preso, com ou sem algemas, já causa constrangimento. Tem receio que a próxima Súmula do STF seja no sentido proibir o cumprimento de mandados de prisão, os quais deverão ser efetuados mediante CONVITE para que o investigado ou condenado compareça espontaneamente à "cadeia".

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Não me parece que seja bem assim.
No caso que originou a Súmula, um juiz determinou (na verdade, uma juíza, filha do Min. Peluso) o uso das algemas, e a mídia não fez espetáculo nenhum. E o problema não foi propriamente o constrangimento, mas o sugestionamento que isso gerou nos jurados, induzindo-os a considerar o sujeito culpado e perigoso.
Quanto à sua exagerada comparação, o despropósito é evidente. É preciso diferenciar o constrangimento DESNECESSÁRIO do INEVITÁVEL. Usar as algemas em hipóteses em que o réu não oferece resistência (às vezes o algemam mesmo quando se entrega), é, reconheça, totalmente desnecessário.