Cairo Maxwell acaba de tomar posse como Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, última instância no julgamento de questões infraconstitucionais na República Federativa de Macondo. Oriundo do Ministério Público, Cairo não tem muita afinidade com o Direito Tributário. Mesmo assim, chegando ao Tribunal, ocupou vaga em Turma especializada em questões de Direito Público, inclusive de Direito Tributário.
Olavo Macambira e Ademar Mota, egressos de câmaras criminais de TJs, também não têm muito conhecimento em torno de questões fiscais, mas são colegas do Min. Cairo e com ele julgam as mesmas questões.
A solução que encontraram, aliás sugerida por colegas mais experientes que fizeram o mesmo, foi de fácil implementação: prepararam ofício, que dirigiram ao Procurador Chefe da Fazenda Nacional de Macondo. Nele, pedem que procuradores sejam licenciados e enviados ao STJ, para que atuem como assessores. São os mais exímios conhecedores de Direito Tributário, pois trabalham todos os dias com ele.
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Na PFN, ao receber tais ofícios, José Arcádio Buendía, o chefe, se impacienta:
- Meu Deus! Não é possível!! Mais procuradores para o STJ! Assim ficarei sem pessoal!
Um colega pondera: - Mas Arcádio, trata-se apenas de uma solicitação. Diga, respeitosamente, que, infelizmente, não poderá atendê-la. E diga a verdade, que é por falta de pessoal. Faça isso em ofício recheado de MMs (não o chocolate, mas a forma abreviada do tratamento respeitoso), de ilustríssimos e excelentíssimos, que estará tudo resolvido.
- Não, Aureliano. Não se trata de MM, nem de Lolo, milkbar, charge ou smash. Você não entende. Nós precisamos atender essas indicações. É do interesse da instituição. Nossos procuradores, lá assessorando os ministros, nos ajudarão a moldar os rumos da jurisprudência! Não posso deixar de atendê-los! Mais vale um procurador assessorando um Ministro que decidirá a nosso favor do que duzentos peticionando a um que decidirá contra.
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Algum tempo depois, Maxwell passa a emitir despachos, decisões e votos revelando profundo conhecimento de Tributário. E não só. Passa a fazer distinções que, sutilmente, põem de lado a jurisprudência firmada do tribunal. Teses antes perdidas pela Fazenda Nacional são rediscutidas, sob a justificativa de se estar a tratar de aparente peculiaridade ou sutileza que o justifique, e então passam a ser decididas de forma diferente. Em sua sala, José Arcádio vira-se para Aureliano e diz, simplesmente: - Eu não disse?
Enquanto isso, no lanche com os colegas, Cairo, Olavo e Ademar contam a proeza para os colegas que ainda não a fizeram, sugerindo-lhes que façam o mesmo. E arrematam: - É uma beleza!
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É claro que essa história, imaginária, foi aqui narrada de forma onírica, lúdica e brincalhona. Isso não acontece no Brasil, que só por coincidência tem órgãos conhecidos pelas mesmas siglas. Se algum dia já aconteceu, trata-se, mais uma vez, evidentemente, de mera coincidência. Sequer ouvi testemunhos de pessoas que presenciaram quaisquer dessas cenas ou diálogos.
Mas, voltando para o onírico, tenho só uma sugestão a fazer: quando os procuradores acabarem, o melhor será chamar auditores fiscais. Estes sim, conhecem em profundidade a legislação. E não só a Constituição e o CTN, mas os decretos e as instruções normativas, estes sim relevantes para o desfecho de muitas questões.
Aliás, em questões bancárias, seria bom enviar ofício aos maiores bancos privados do país, pedindo que enviem (sem rompimendo do vínculo, é claro!) seus diretores jurídicos, para ajudar o STJ no julgamento. Afinal, eles conhecem não só a legislação, mas a difícil realidade dos bancos, e as artimanhas dos clientes desonestos que às custas destes se procuram locupletar. Ah, desculpe, no caso do banco não pode. Seria contrário ao "interesse público". No caso da PFN, ao contrário, é justamente o "interesse público" que inspira toda a idéia.
4 comentários:
Concordo que a situação imaginária é um tanto esdrúxula.
Mas o seria da mesma forma se um advogado tributarista fosse chamado no lugar do Procurador da Fazenda Nacional, não?
Da minha dissertação de mestrado, extraio a seguinte nota de rodapé:
250 Luiz Antonio Caldeira Miretti, In MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Processo administrativo
tributário. p. 614, “pela inaceitável tendência de preservação do ingresso de receitas para os cofres públicos, para a manutenção até do próprio Poder Judiciário, o que caracteriza a ausência de independência deste Poder em relação ao Poder Executivo'”. Contudo, é importante ressalvar o
equívoco deste autor: os doutrinadores que também são advogados, sob o mesma prisma, também não teriam a necessária isenção e independência, vez que teriam interesse na declaração de
inconstitucionalidade da norma para fazerem jus às verbas de sucumbência de seus eventuais
clientes.
Resumindo: quem efetivamente seria isento em uma matéria qualquer no Direito? Se é que existe isenção no Direito.
Abraço,
Marcondes Witt
Joinville/SC
P.S.: Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil [não sou muito favorável a tal redundância na denominação do órgão e do cargo]
http://lattes.cnpq.br/3404064413700608
Marcondes,
A situação é um pouco diferente.
Veja só.
Um advogado pode prestar concurso para juiz, ser aprovado e passar a exercer o cargo. O fato de haver sido advogado antes não o torna "parcial".
O mesmo ocorre com o procurador da fazenda que passa em concurso para juiz. Embora alguns demorem, como juízes, a desencarnar o procurador, a postura "fiscalista" ficaria dentro da inexistência de total neutralidade à qual você se refere.
Mas a situação "imaginária" do post é diversa.
Primeiro, porque uma coisa é o advogado de "contribuintes" que teria, em tese, interesse em defender causas de "contribuintes", genericamente. Outra coisa seria o advogado de UM CONTRIBUINTE específico, assessorando ministro no julgamento da causa daquele contribuinte específico. É isso o que ocorre no caso da PFN.
E mais. No caso da PFN, o procurador continua sendo procurador durante a assessoria. Está apenas licenciado. O vínculo é mantido, eis a grande diferença, e o procurador, posteriormente, retornará à procuradoria.
Por outro lado, a "situação imaginária" revela que a própria PFN envia os procuradores já como forma de "investir" na prevalência de suas teses.
Seria como um grande escritório conseguir que um de seus membros passasse a assessorar ministro para julgar favoravelmente suas causas.
Isso não seria só estranho. Seria ilícito. Todo mundo "cairia em cima" se o fato fosse descoberto. Tal como eu disse em relação ao banco. Já no caso do procurador, a coisa parece normal... Ou nem tanto, já que você mesmo a reconheceu esdrúxula.
Ainda bem que, como eu disse, é imaginária... Ou será que não?
Hugo,
a questão é que, seja quem for o assessor, o tal do Ministro está errado ao delegar acriticamente a solução do caso para um terceiro.
Por mais que ele não tenha familiaridade com a matéria, é ele quem deve decidir.
O ideal é que ele tenha, na sua assessoria, pessoas com ideologias diversas.
Quem sabe assim ele mastiga todos os argumentos possíveis, digere lentamente e depois... ora, depois sentencia!
:-)
Essa parte final foi "emprestada" do Denny Crane...
Grande abraço,
George
É verdade, George.
Entretanto, mesmo sem delegar a decisão em si, se a assessoria encarregada dos processos que versam direito tributário fica à cargo apenas de membros da PFN, o magistrado, sem muito conhecimento da matéria, não tem muito como desenvolver um pensamento autônomo. Falta a dialética.
A melhor solução seria mesmo, como você sugeriu, uma assessoria eclética, que pudesse levar ao julgador os vários argumentos possíveis.
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