A história, devo admitir, em um primeiro momento não parece das mais emocionantes. Ele já escreveu melhores. Todos os nomes, por exemplo, pelo menos na minha opinião o melhor dele. Mas na maneira como a história é contada o autor se superou, e o livro merece ser lido, se não por outras razões, só por essa. Não que a história seja ruim. Longe disso. Apenas, como eu disse, ele já escreveu livros em torno de narrativas mais interessantes.
Neste, conta-se a saga de um elefante que, dado de presente de casamento pelo Rei de Portugal ao Arquiduque da Áustria, tem de fazer a viagem de um país ao outro, com toda uma comitiva de soldados, carros de boi (para levar-lhe a comida e a água) etc. Isso no Século XVI.
Há diálogos entre o cornaca chamado Subhro, indiano responsável pelo tratamento do animal, e os portugueses que o acompanham, que são impagáveis. As discussões religiosas entre eles são uma obra prima de filosofia. Em certo momento, conversando durante a noite, os soldados pedem ao indiano que lhes conte um pouco de sua religião, na qual inclusive há um deus com cabeça de elefante. E ele o faz. Ao concluir a detalhada exposição...
"...histórias da carochinha, resmungou um soldado, Como a daquele que, tendo morrido, ressuscitou ao terceiro dia, respondeu o subhro, Cuidado, cornaca, estás a ir longe demais, repreendeu o comandante, Eu também não acredito no conto do menino de sabão que veio a tornar-se deus com um corpo de homem barrigudo e cabeça de elefante, mas foi-me pedido que explicasse quem era ganeixa, e eu não fiz mais do que obedecer, Sim, mas fizeste considerações pouco amáveis sobre jesus cristo e a virgem que não caíram nada bem no espírito das pessoas aqui presentes, Peço desculpa a quem se sentiu ofendido, foi sem intenção, respondeu o cornaca. Ouviu-se um murmúrio de apaziguamento, a verdade é que àqueles homens, tanto soldados como paisanos, pouco lhes importavam as disputas religiosas, o que os inquietava era que se tocasse em tais assuntos tão retorcidos debaixo da própria cúpula celeste. Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas."
Aliás, é na crítica à religião - ou melhor, ao uso que certos homens fazem dela - que o livro se destaca. Há um momento em que o cornaca é forçado por padres, na cidade de Pádua, a ensinar o elefante a se ajoelhar diante de uma igreja. Isso sem que ninguém saiba, naturalmente. Depois, passando pelo local, quando nele já estava reunida uma multidão, o elefante se ajoelha e todos gritam: Milagre!!! Era preciso contra-atacar o maldito Lutero, diziam.
O cornaca aproveitou-se da situação, e em seguida fez fortuna vendendo pequenos pedaços do pêlo do elefante milagreiro, com o qual se podiam fazer chás, pomadas etc., para curar as mais diversas doenças. :-)
Até epistemologia se acha no livro. Sobre o caráter meramente descritivo da atividade dos historiadores, Saramago afirma:
"No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade."
7 comentários:
Caro Hugo,
Saramago é muito bom. "Todos os nomes", de fato, é um livro muito bom; e "A viagem do elefante" me deu mais ou menos a mesma sensação que você sentiu, mas talvez o grande lance do livro sejam os assuntos "periféricos" à história. Aproveito para indicar outros livros muito bons dele: "Objecto quase", "A caverna", "Ensaio sobre a cegueira" e "Ensaio sobre a lucidez".
Aproveito, também, para indicar um link: http://linkslegallibrary.blogspot.com, está em fase de compilação, mas já possui coisas boas.
Forte abraço
Julio
Julio,
Obrigado.
Dos títulos que você indicou, alguns já li, outros não.
Vou conferir o link.
um abraço,
Confesso que não conhecia o refeido livro, mas a descrição foi tão interessante que já está na minha lista de aquisições!
Abraço,
Pablo
Gosto literário é algo bastante subjetivo, Feitosa. Feita a ressalva, posso dizer-lhe: o livro é ótimo.
E pudera: é a obra feita por alguém em plena maturidade, que de quebra é o único nobel de literatura no âmbito da língua portuguesa.
a viagem do elefante é um romance cómico, divertido. Não tão bom como a morte de ricardo reis, mas agradavel de ler. Talvez haja no romance intervenção excessiva do narrador, ou seja, de saramago
Fuck you all
Estou gostando do livro, mas, realmente, o autor tem livros muito melhores. Meu favorito ainda é " Memorial do Convento", que foi meu primeiro livro de Saramago. Inesquecível!
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