sábado, 1 de maio de 2010

Responsabilidade tributária nas súmulas do STJ

O meu livro intitulado "Direito Tributário nas Súmulas do STF e do STJ" ficou pronto na última sexta-feira, dia 30 de abril. Deve estar no site da Atlas, e nas livrarias, a partir da próxima semana. Escrevê-lo foi um trabalho interessante, que, em certa medida, compartilhei com os leitores do blog à medida em que o realizava.
A questão é que o STF e principalmente o STJ têm editado muitas súmulas nos últimos tempos. Isso é bom, naturalmente, pois indica rumos mais seguros para quem analisa a jurisprudência. Mas, para o meu livro, não foi tanto, pois não será fácil mantê-lo atualizado. Ele já estava na gráfica quando diversas súmulas novas foram editadas, de uma vez, pelo STJ. Resolvemos, por isso, eu e a Roberta Densa, da editora Atlas, disponibilizar no site da editora a "atualização on-line" do livro, espaço onde constarão as súmulas (e os comentários) editadas após o lançamento da obra impressa. Quando da segunda edição, o material constante de tal espaço será incorporado ao livro, passando o site a prestar-se para o mesmo procedimento em relação às súmulas editadas depois do lançamento da segunda edição. E assim por diante.
Enviei para a Atlas, antes mesmo do lançamento do livro, arquivo contendo essa atualização (pertinente às súmulas editadas desde quando o livro foi para a gráfica até agora). Como é um tanto extenso, não o disponibilizarei todo aqui, mas postarei os comentários a pelo menos duas súmulas, que dizem respeito a assunto que estou tratando agora com meus alunos de graduação: responsabilidade tributária de dirigentes de pessoas jurídicas de direito privado.


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Súmula n.º 430/STJ – “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”

· Aprovada na Sessão de 24/3/2010.

Comentários ———————————————————————————

Fundado no art. 135, III, do CTN, o Fisco costumava sustentar que o não pagamento de tributos, por configurar uma “infração de lei”, justificaria a responsabilização, pelo débito, dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Com isso, pretendia, em sede de execução fiscal, alcançar o patrimônio de tais pessoas.

O mencionado artigo, a propósito, dispõe:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Entretanto, caso aceita essa interpretação, a responsabilidade de sócios-gerentes de pessoas jurídicas de direito privado, em vez de exceção à regra segundo a qual a responsabilidade é da pessoa jurídica (que não se confunde com seus membros), seria uma regra absoluta, sem nenhuma exceção: os sócios-gerentes responderiam sempre. Aliás, responderiam por qualquer débito da sociedade, desde que licitamente contraído, pois não solvê-lo seria “infração de lei ou contrato”.

Além disso, essa interpretação, que vê no mero inadimplemento a “infração de lei” capaz de atrair a incidência do art. 135 do CTN, torna sem sentido o art. 134. Afinal, se “as pessoas referidas no artigo anterior” (todas aquelas enumeradas nos sete incisos do art. 134 do CTN) respondem pelo mero inadimplemento, nos termos do art. 135, qual seria o sentido de sua alusão no art. 134? Qual seria a razão de, no art. 134, dizer-se que só respondem na impossibilidade de exigir-se o cumprimento da obrigação por parte do contribuinte? Nenhum.

Na verdade, o inadimplemento de um débito tributário configura infração de lei, mas essa infração, em condições ordinárias, é praticada pelo contribuinte, ou seja, no caso do art. 135, III, do CTN, pela pessoa jurídica, e não pelo seu representante (ou, na linguagem de Pontes de Miranda, seu presentante), não sendo portanto causa para a sua responsabilização. Apenas quando este atua fora de sua competência, com excesso de poderes, em prejuízo do Fisco e da própria pessoa jurídica, pode-se falar em infração de lei. O art. 137 do CTN é bastante instrutivo nesse campo, pois esclarece que a responsabilidade pessoal exige dolo específico das pessoas mencionadas no art. 135 do CTN contra aquelas que representam.

Foi esse o entendimento que prevaleceu no âmbito da Primeira Seção do STJ, como se depreende da súmula em comento.



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Súmula n.º 435/STJ – “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando-se o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

· Aprovada na Sessão de 22/4/2010.

Comentários ———————————————————————————

Para que a responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN se configure, não basta que se verifique o mero não pagamento do tributo (Súmula 430/STJ, supra). É preciso que se comprove a prática de ato imputável à pessoa natural do sócio-gerente, e não à entidade por ele presentada. Considera-se como tal aquele ato que não só contraria os interesses do fisco, mas também é incompatível com os interesses da própria pessoa jurídica de direito privado. É o caso, por exemplo, de quando se pratica o subfaturamento, que subtrai recursos do patrimônio da pessoa jurídica, os quais, nessa condição, passam a ser livremente utilizados pelo seu dirigente (para fins ligados à atividade da empresa ou não).

Exemplo por excelência de ato contrário à lei, para esse fim, é a dissolução irregular da sociedade(1), ato levado a efeito por seus membros e que seguramente não pode ser considerado ato da própria pessoa jurídica (que estaria agindo através de seus órgãos).

O ônus de provar a prática de tais atos, a fim de viabilizar a responsabilização de sócios-gerentes de pessoas jurídicas de direito privado, é do Fisco. Essa prova pode ocorrer ainda no âmbito administrativo, o que autoriza a inclusão do nome do sócio-gerente na própria certidão de dívida ativa (CDA), dispensando a Fazenda de demonstrar a prática dos atos que ensejam a responsabilidade no próprio processo executivo; mas, se não houve apuração administrativa, a Fazenda deverá provar, nos autos da execução, a ocorrência dos fatos que justificam a responsabilização do sócio-gerente.

Como um desses fatos é a dissolução irregular, o STJ entendeu, com inteiro acerto, que a certificação, pelo oficial de justiça, de que a pessoa jurídica não funciona mais no endereço indicado faz presumir que houve a dissolução irregular, possibilitando a responsabilização de sócios-gerentes. Naturalmente, como se trata de presunção relativa, será possível ao sócio-gerente, em sede de embargos do executado(2), demonstrar o contrário.(3)





NOTAS

(1) Registre-se, porém, que se a dissolução da sociedade limitada se deu regularmente, não se há de cogitar da responsabilidade de seus sócios: “A jurisprudência tem identificado como ato contrário à lei, caracterizados da responsabilidade pessoal do sócio-gerente, a dissolução irregular da sociedade, porque a presunção aí é a de que os bens foram distraídos em benefício dos sócios ou de terceiros, num e noutro caso em detrimento dos credores; não se cogita, todavia, dessa responsabilidade, se a sociedade foi dissolvida regularmente, por efeito de insolvência civil processada nos termos da lei. [...]” (STJ, REsp 45.366/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 28/6/1999). No mesmo sentido: “[...] a executada foi dissolvida regularmente por processo falimentar encerrado, sem que houvesse quitação total da dívida, razão pela qual carece o fisco de interesse processual de agir para a satisfação débito tributário. 3. Inocorrentes quaisquer das situações previstas no art. 135 do CTN (atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto), não há se falar em redirecionamento. 4. Inexiste previsão legal para suspensão da execução, mas para sua extinção, sem exame de mérito, nas hipóteses de insuficiência de bens da massa falida para garantia da execução fiscal. Deveras, é cediço na Corte que a insuficiência de bens da massa falida para garantia da execução fiscal não autoriza a suspensão da execução, a fim de que se realize diligência no sentido de se verificar a existência de co-devedores do débito fiscal, que implicaria em apurar a responsabilidade dos sócios da empresa extinta (art. 135 do CTN). Trata-se de hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei n.º 6.830/80 (precedentes: REsp 718.541 – RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 23 de maio de 2005 e REsp 652.858 – PR, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 16 de novembro de 2004)” (STJ, REsp 755.153/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 1/12/2005, p. 308/309, RDDT 126/193).

(2)Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade dos sócios, os quais podem provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. [...]” (STJ, 2a T., REsp 796.345/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 7/3/2006, DJ de 4/5/2006, p. 165).

(3) Aliás, excepcionalmente, isso pode ocorrer até mesmo em sede de exceção de pré-executividade, em caso de prova pré-constituída: imagine-se, por exemplo, que a pessoa jurídica continua em funcionamento e tem patrimônio mais que suficiente para solver a dívida, tendo apenas havido equívoco quanto à informação de seu novo endereço. Não seria razoável, em tal hipótese (em cujo equívoco inerente à sua não-localização seria facilmente demonstrado), exigir-se a oposição de embargos.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Prezada Lilijane,
O que exatamente você quer saber sobre o tema?
Abordou a questão à luz da EC 62 também?
att.