O STF está a julgar ADI proposta contra a LC 123/2006, que instituiu o estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte.
Existem, nessa lei, diversos aspectos de constitucionalidade duvidosa.
Um deles é a fixação, por lei complementar nacional, de alíquotas de tributos estaduais e municipais. Pode haver, aí, ofensa ao princípio federativo, com evidente invasão, pela União, em competências dos entes periféricos. Deve-se lembrar, a propósito, que a competência tributária é o sustentáculo de toda a autonomia dos entes federados, que caracteriza essa forma de Estado.
Outro é uma absurda disposição que, tal como vem sendo interpretada pelos Estados, leva à dupla incidência do ICMS sobre microempresas e empresas de pequeno porte que compram mercadorias em outros Estados, para revenda.
Quando uma ME ou uma EPP adquire mercadorias em estado vizinho, por exemplo, paga, ao cruzar a fronteira, o ICMS "diferencial de alíquota" e o ICMS "antecipado", vale dizer, tanto a diferença da alíquota interestadual para a alíquota interna (até aí, tudo bem, pois a idéia é apenas equalizar a carga incidente sobre as compras feitas dentro do estado e sobre as feitas em outros Estados), como - e aqui está o absurdo - o ICMS que será devido quando da saída da mercadoria, na operação subseqüente.
Exemplificando, se uma vendedora de camisas adquire peças em São Paulo, para revenda no Ceará, terá de pagar ao Estado do Ceará, ao passar com tais peças pela fronteira, o ICMS que será devido quando da venda dessas camisas ao consumidor final.
Quando isso ocorre com um contribuinte tributado pela sistemática "normal", há apenas uma antecipação, com, às vezes, majoração do imposto, pelo fato de se utilizar uma base de cálculo presumida. Ele está, de qualquer modo, pagando algo que, de uma forma ou de outra, pagaria algum tempo depois. Se for "credenciado", tem até um prazo razoável para fazer esse pagamento.
O problema, em relação aos que estão no Simples, é que não há sistemática de débitos e créditos, e o ICMS é pago de forma "global" com a aplicação de uma alíquota sobre o faturamento do contribuinte. Assim, a microempresa que compra em Estado vizinho paga o ICMS na fronteira, e, depois, paga o mesmo imposto DE NOVO por meio da sistemática que deveria ser simplificada e "favorecida". Há, de forma tão clara quanto inconstitucional, a dupla incidência do imposto sobre uma mesma operação, com a mesma mercadoria.
O Congresso até tentou corrigir essa anomalia com a LC 127, mas o Presidente vetou os dispositivos correspondentes.
Pois bem. Isso poderia estar sendo discutido agora no STF.
Mas não é o que se debate na ADI em comento.
Trata-se de isenção dada às MEs e EPPs em relação à contribuição sindical.
Diz-se que isentar microempresas de pagar a contribuição sindical seria inconstitucional.
Pode?!
Inconstitucional por quê?
Merece aplauso, portanto, o Ministro Joaquim Barbosa, que, conforme a notícia do próprio STF, considerou a ADI totalmente improcedente:
"Quarta-feira, 15 de Outubro de 2008
Suspenso julgamento sobre Simples Nacional
Foi suspenso, na tarde desta quarta-feira (15), julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei Complementar 123/06 – conhecida como estatuto da microempresa, na parte que isenta micro e pequenas empresas do pagamento da contribuição sindical patronal – o Simples Nacional.
Após o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que considerou “totalmente improcedente” a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4033, o ministro Marco Aurélio pediu vista do processo.
Constitucional
A contribuição sindical patronal compulsória, prevista no artigo 578 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), é constitucional, uma vez que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, argumentou a Confederação Nacional do Comércio (CNC) ao ajuizar a ação no Supremo, em fevereiro deste ano.
Outro ponto levantado pela entidade é que, conforme prevê o artigo 150, parágrafo 6º da Constituição Federal, a isenção só poderia ter sido concedida por meio de uma lei específica. “Não é o que acontece com lei complementar questionada, que trata de inúmeras medidas e não somente da contribuição sindical”, concluiu a confederação. Por esses motivos, a entidade pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo 13, parágrafo 3º da Lei Complementar 123/06.
Pertinência
Para o relator, contudo, não existe nenhuma violação à Carta de 1988. No entendimento de Joaquim Barbosa, a Lei Complementar 123/06 não é uma lei genérica, como tenta fazer crer a CNC. Existe pertinência entre o tema tratado pelo estatuto da microempresa e a isenção questionada, frisou o ministro. Dessa forma, não há violação ao artigo 150 da Lei Maior.
O ministro rebateu, ainda, o argumento da CNC de que haveria desrespeito ao artigo 146, também da Constituição. Para o relator, este dispositivo deve ser considerado como “exemplificativo, e não taxativo”. Nesse sentido, Barbosa ressaltou que o artigo 170, IX, da Constituição, é claro ao permitir que seja dado tratamento diferenciado para empresas de pequeno porte.
Por fim, o ministro considerou que não existe o alegado risco à autonomia sindical. Para a CNC, a retirada de uma das fontes poderia diminuir a capacidade das entidades patronais para executar seu papel constitucional. Joaquim Barbosa enfatizou, porém, que se os benefícios pretendidos pela lei forem atingidos, haverá o fortalecimento das pequenas empresas, que poderão passar a ser empresas de maior porte, ultrapassando a faixa prevista de isenção. Além disso, a isenção é um incentivo à regularização das empresas informais.
MB/LF"
É evidente que não há violação ao art. 150, § 6.º, da CF/88. A LC 123 trata de um regime unificado, simplificado e favorecido de recolhimento de tributos, regulamentando disposição constitucional expressa inserida no art. 146 da CF pela EC 42/2003. Ao instituir uma forma de recolhimento de tributos unificada, é óbvio que teria de dispensar a ME e a EPP do recolhimento dos demais tributos. Ela não deixa de ser, aliás, uma lei específica sobre uma forma de "tratamento diferenciado", sendo precisamente essa uma das exceções previstas no art. 150, § 6.º, que não pode ser interpretado de forma divorciada do art. 146, III, "d" e parágrafo único, da CF.
2 comentários:
Hugo, quanto a sua afirmação de que a LC 123/06 seria inconstitucional, dentre outras razões, por causa da "fixação, por lei complementar nacional, de alíquotas de tributos estaduais e municipais", tenho um questionamento: utilizando-se desse mesmo raciocínio, a LC 116/2003, por tratar de alíquotas de ISS - tributo municipal - também seria, em tese, inconstitucional?
Vitor,
Eu não disse que a LC 123/2006 é inconstitucional na parte em que estabelece alíquotas de ISS e ICMS. Eu falei que esse é um aspecto questionável, problemático ou polêmico.
Sinceramente, não acho que ela seja inconstitucional em relação a esse ponto. Tanto que disse "pode haver inconstitucionalidade", apenas para provocar o debate.
Inconstitucionalidade, mesmo, reside apenas na dupla exigência do ICMS.
Por outro lado, observe que, ao contrário do que você diz, a LC 116/2003 não fixa as alíquotas do ISS. Isso é feito pela lei de cada município, que escolhe qual o percentual a ser pago por construtoras, empresas de limpeza, vigilância, de serviços de informática, funerárias, etc. etc.. As normas gerais fixadas na LC 116/2003, a teor do art. 146, III, "a", dizem respeito apenas aos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes do imposto.
Em relação ao ISS, salvo engano, há apenas o estabelecimento de alíquotas máximas e mínimas, por lei complementar, e, mesmo assim, isso é feito em atenção à determinação contida no art. 156, § 3.º, I, da CF.
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