quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jogo de empurra entre STJ e STF

Deve ser aquilo que um Ministro do STJ chamou de "jurisprudência defensiva". Decisões não muito razoáveis, para dizer o menos, mas que teriam a seu favor uma excludente de ilicutude: seria a legítima defesa do Tribunal contra o excesso de processos que põe em risco a sua viabilidade.
Refiro-me, dessa vez (mas os exemplos são muitos, e diversos), a um jogo de empurra no exame de questões constitucionais.
O STJ não as aprecia, por considerar que competem ao STF. Este, por sua vez, tampouco delas conhece, por entender que a ofensa à Constituição seria "reflexa", devendo ser examinada pelo STJ à luz da legislação infraconstitucional. E termina que nenhum dos dois se manifesta sobre o problema.
Estou preparando artigo sobre o assunto, no qual ele será tratado com uma profundidade um pouco maior do que aquela pertinente aqui no blog. Quando estiver pronto, posto uma síntese dele. De qualquer modo, acredito que o cotejo das duas decisões, sobre o mesmo assunto, é suficiente:

O entendimento do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. REFIS. LEGITIMIDADE DA EXCLUSÃO POR MEIO DO DIÁRIO OFICIAL E DA INTERNET. AFASTAMENTO DA LEGISLAÇÃO SUBSIDIÁRIA (LEI 9.784/99).
1. Nos termos do art. 69 da Lei 9.784/99, "os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei".
Considerando que o REFIS é regido especificamente pela Lei 9.964/2000, a sua incidência afasta a aplicação da norma subsidiária (Lei 9.784/99).
2. Não há ilegalidade na exclusão do REFIS sem a intimação pessoal do contribuinte, efetuando-se a notificação por meio do Diário Oficial e da Internet, nos termos do art. 9º, III, da Lei 9.964/2000, c/c o art. 5º da Resolução 20/2001 do Comitê Gestor do Programa.
3. O exame de suposta contrariedade a princípios positivados na Constituição Federal, mesmo que para fins de prequestionamento, é alheio ao plano de competência desta Corte, porquanto trata-se de matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 902614/PR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/11/2007, DJ 12/12/2007 p. 397 - grifei)


Agora, o STF, a quem, de acordo com o STJ, compete examinar o assunto:

RE 551476 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MENEZES DIREITO
Julgamento: 05/05/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC 28-08-2009
Parte(s)
AGTE.(S): DIGIARTE INFORMÁTICA LTDA.
ADV.(A/S): JOSE LUIZ MATTHES E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): UNIÃO
ADV.(A/S): PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
Ementa

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Exclusão do REFIS. Legislação infraconstitucional. Princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. As questões referentes à exclusão de contribuinte do Programa REFIS estão adstritas ao âmbito da legislação infraconstitucional. 2. As alegações de afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República. 3. Agravo regimental desprovido.
Decisão
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso
extraordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime. 1ª Turma,
05.05.2009.


E agora, quem vai examinar se a legislação do REFIS viola, ou não viola, os princípios constitucionais apontados?

3 comentários:

Vitor Ramalho disse...

Hugo, não sei se entendi bem a sua dúvida, mas a meu ver a questão está decidida corretamente. O STJ entendeu, à luz da legislação infraconstitucional, que é possível a exclusão do contribuinte do REFIS por meio de internet e D. Oficial. Esse era o ponto principal posto em juízo. Quanto ao " exame da suposta contrariedade a princípios", isso, realmente, NÃO é da competência do STJ, pois estar-se-ia falando de controle abstrato de constitucionalidade (lei do refis x CF), somente cabível em sede de ADI (era mais legal "ADIn").

Contudo, caso o objetivo do RE tenha sido o reconhecimento da INCONSTITUCIONALIDADE da lei do Refis, pela via difusa, aí a decisão do STF não tem nada a ver mesmo. Acho que, no RE, deve ter sido suscitado apenas o embate entre as leis 9.784/99 e 9964, o que, realmente, determina a competência do STJ.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Vitor,
Acho que você entendeu sim a controvérsia. É isso mesmo.
Em princípio, concordo com você. Realmente, a decisão do STJ está, considerada a sua jurisprudência dominante, correta, sendo do STF o equívoco. Os RREE não discutem apenas a questão do conflito entre leis, mas a própria validade da legislação do REFIS.
Mas, provocando um pouco o debate, será que o STJ não pode mesmo apreciar questões constitucionais? Uma coisa são os pressupostos do recurso, e outra o que pode ser feito quando do seu julgamento. Se a questão constitucional pode ser suscitada até de ofício, por qualquer juízo ou tribunal, por que não o seria pelo STJ. Seria ele um tribunal inferior?
Bom, mas pondo esse debate de lado, o que importa é que, sem entrar no mérito da questão de saber qual dos dois está correto, a questão constitucional restou não-apreciada....

Anônimo disse...

No caso apontado a questão é complexa porque não restou claro nas ementas se houve pedido incidental de declaração de inconstitucionalidade.

Por outro lado, o jogo de empurra entre o STJ e o STF é uma realidade assustadora para os advogados, mormente quando pretendem que eventual lei federal seja apreciada conforme a constituição.

Há julgados dizendo que cabe ao STJ quando não houver necessidade de declaração de inconstitucionalidade e outros negando tal possibilidade.

Daí, o que fazer contra decisão do STJ que alega não competir-lhe a interpretação conforme a constituição? Vejamos, no mínimo: Agravo Regimental, Embargos de declaração, seguidos de embargos de divergência, seguidos de novos embargos de declaração, seguidos de recurso extraordinário, seguidos de agravo de instrumento no RE, seguidos de agravo regimental no RE, seguidos de embargos de declaração no agravo regimental no RE, seguidos de embargos de divergência no RE e, enfim, seguidos de embargos de declaração nos embargos de divergência no RE.

Portanto, quando o STJ nega a sua competência para julgar recurso especial em que se pleiteia a interpretação conforme à constituição sem declaração de inconstitucionalidade, a parte terá que manejar cerca de dez recursos para tentar ver sua tese apreciada pelo "Tribunal da Cidadania".

Não seria mais fácil interpretar a lei federal à luz da Constituição ao invés de negar a prestação jurisdicional, considerando que o próprio STF firmou entendimento de que sua competência não se apresenta quando a tese recursal depender de interpretação de lei federal?

Enquanto isso, o que deveria diminuir a carga processual nos tribunais superiores somente a aumenta e em escala exponencial, porquanto os advogados, como tem de ser, farão o possível para ver a tese apreciada pelo "Tribunal da Cidadania".