quarta-feira, 26 de maio de 2010

Restituição de IR e caráter alimentar

Foi recentemente noticiado pelo site do STJ:

Restituição de IR é impenhorável quando derivada de ganhos salariais
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que não é penhorável a restituição do Imposto de Renda (IR), desde que a parcela seja proveniente de remuneração mensal, de caráter alimentar. O condomínio ItaúPower Shopping, localizado em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, recorreu ao STJ porque tentava receber uma dívida que iria ser paga por meio da penhora da restituição do IR do devedor.

O caso envolve um homem que foi executado pelo shopping. Foi determinada a penhora de R$ 1.393,57 de sua conta corrente referente à restituição de imposto de renda. O homem sustentou que o valor depositado fazia parte de seus rendimentos salariais e, por isso, não poderia ser penhorado. Ele pedia a desconstituição da penhora. Na primeira instância, o pedido foi negado, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou procedente o pedido por entender que a quantia penhorada refere-se à restituição de IR proveniente de uma única fonte pagadora (empresa empregadora do devedor). Assim, o TJMG conclui que o valor seria de indiscutível natureza salarial e, portanto, seria impenhorável.

No STJ, o shopping alegou que, no momento em que o imposto é descontado da remuneração, deixa de ser verba salarial e passa a ter natureza tributária. Por isso, questiona essa impossibilidade de penhorar a quantia depositada na conta-corrente a título de restituição de imposto de renda retido na fonte.

Ao analisar o recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que não é toda e qualquer parcela da restituição de imposto de renda que pode ser considerada como derivada de verba salarial ou remuneratória. O imposto de renda pode incidir, por exemplo, sobre recebimentos de aluguéis, lucro na venda de determinado bem, aplicações financeiras, entre outras possibilidades. E, nesses casos, não se pode falar em impenhorabilidade da restituição do tributo, já que não decorre de salário.

A ministra ressaltou ainda que a restituição do IR nada mais é do que a devolução do desconto indevidamente efetuado sobre o salário, após o ajuste do Fisco. “Daí porque se pode dizer que a devolução do imposto de renda se trata de mera restituição de parcela do salário ou vencimento, fato que, por conseguinte, de maneira alguma desmerece o caráter alimentar dos valores a serem devolvidos”, arrematou a relatora.

A ministra reconheceu que o lapso temporal entre a data do recebimento do salário e a restituição do valor indevidamente recolhido não tem o condão de modificar sua natureza, até porque esse prazo não decorre de vontade do contribuinte, mas sim de metodologia de cálculo da Receita Federal. Justamente em razão do caráter remuneratório-alimentar, a ministra concluiu pela impenhorabilidade dos valores a serem restituídos pelo Fisco. Por isso, o pedido do shopping foi negado. Por unanimidade, os outros integrantes da Terceira Turma seguiram o entendimento da relatora.

Fiquei feliz em ver esse entendimento acolhido, pois já tinha defendido exatamente isso perante juiz de primeira instância, que acolheu a tese sem que houvesse recurso da Fazenda posteriormente.
No caso, não era bem a questão da impenhorabilidade que se discutia; questionava-se, de qualquer sorte, o caráter alimentar da restituição, para o efeito de aplicar, ou não, a um precatório, a sistemática de parcelamento em 10 anos prevista na EC 30/2001.
Uma senhora, doente de câncer, teve descontado de forma indevida o imposto de renda sobre seus proventos de aposentadoria. O desconto foi indevido porque os proventos de aposentadoria de portadores de moléstias graves, dentre elas o câncer, são isentos (Lei 7.713/88, art. 6.º). O problema é que, depois de litigar por anos contra a União, para pleitear a restituição correspondente, colocou-se, quando da execução da sentença que lhe julgou procedentes os pedidos, a questão de saber se o precatório deveria ser parcelado em 10 anos, a teor do disposto na EC 30/2001.
Defendi, na oportunidade, que não. Sustentei que, embora se tratasse de restituição de imposto (e não, propriamente, de salário), esse imposto tinha sido retirado da remuneração da exequente, que tem natureza alimentar. E mais: a razão pela qual essa retirada fora considerada indevida (que é a mesma pela qual o legislador isentou tais rendimentos) revela a natureza ainda mais essencial da quantia a ser recebida, indispensável ao tratamento de saúde da autora. O juiz, como disse, acolheu o argumento e deu prosseguimento à execução contra a Fazenda sem submetê-la ao parcelamento do precatório em 10 anos, e a PFN não se insurgiu (não havendo oportunidade, portanto, de formar-se jurisprudência nos tribunais superiores). Mas, agora, no julgamento de questão análoga, tem-se a tese confirmada pelo STJ.

6 comentários:

Lina Ponte disse...

Oi Professor Hugo,
Inicialmente, gostaria de parabenizá-lo pelo sucesso do Blog. Faz algumas semanas que descobri seu blog e sempre procuro vim dar uma olhada, pois é uma forma bem interessante de me inteirar das notícias e temas de Tributário.
Recentemente fui sua aluna na Pós de Tributário na Unifor e lembro bem desse caso dessa senhora que acabou de ser citado. Como todo contribuinte também concordo e fiquei feliz com o este entendimento do STJ.

abs

Unknown disse...

Caríssimo,

Se puder explicar, por que a restituição/repetição do caso defendido para sua cliente não teve uma 'execução administrativa', como permite a Receita Federal desde a IN SRF nº 21/1997?

Marcondes Witt

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Marcondes,
Por uma razão muito simples: a Receita Federal não reconhecia a natureza indevida dos recolhimentos, pelo que se fez necessária a propositura de ação judicial. Assim, uma vez condenada, a União não poderia pagar o que devia por outro meio que não o precatório (CF, art. 100), sendo certo que a autora não tinha débitos com os quais seu crédito pudesse ser compensado.

Já as razões pelas quais a Receita Federal não reconhecia a natureza indevida dos recolhimentos são mais complexas, e como não interessavam ao objeto da postagem, não as expliquei. O que ocorreu foi que ela era servidora pública, teve o câncer detectado, requereu a aposentadoria por invalidez, e por demora imputável exclusivamente à Administração sua aposentadoria levou dois anos para ser deferida. Nesses dois anos, ela ficou de "licença para tratamento médico", e a Receita, interpretando literalmente a lei, dizia isentos apenas os proventos de APOSENTADORIA, e não os vencimentos da servidora de licença. Daí as retenções do IR ao longo desses dois anos. Esse entendimento da Receita fora rechaçado pelo STJ, que considerou presente, desde o surgimento do câncer, o direito à aposentadoria por invalidez e, por conseguinte, à isenção do IR. Mas essa é uma outra questão. Como disse, o que pretendi salientar no post não foi a razão pela qual a autora teria, ou não, direito à isenção. O relevante é que, tendo reconhecido que o recolhimento do imposto sobre o rendimento alimentar era indevido, o Judiciário reconheceu, também, que o indébito teria, igualmente, natureza alimentar.
Att.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Obrigado, Lina!

Universo do Jorge disse...

Prezado professor,

Estou como réu em uma ação trabalhista movida por uma ex-funcionária. Mas como a empresa faliu, eu fali junto e o dinheiro que tenho é oriundo do meu trabalho como funcionário público.
Diante da realidade de eu não poder pagar a divida, a ex-funcionario solicitou e ganhou na justiça o direito de penhora do meu IRPF a ser restituído.
Minhas pergunta:
Eu estou em tratamento de Câncer. Mesmo assim o juiz pode penhorar o meu imposto a ser restituído e o meu salário?

Att
Jorge Lopes da Silva
jorgelps2008@gmail.com

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Jorge,
Sugiro-lhe que procure um advogado especializado em Direito Tributário na sua cidade. Se você está em tratamento de câncer, a rigor, pode ter direito a aposentadoria por invalidez e à isenção do IR incidente sobre seus proventos.
Além disso, a restituição do IR já pago é uma parte de sua remuneração (que foi tirada indevidament pelo Fisco e está sendo devolvida), não podendo, nessa condição, em princípio, ser penhorada.
Digo tudo isso, porém, em tese. Todo caso possui particularidades que devem ser levadas em conta e que podem ser relevantes, pelo que é aconselhável que você contrate um especialista.