Aspecto que me preocupou, nas aulas de doutorado na Unifor, foi a tendência, revelada por alguns professores e acolhida e defendida por alguns alunos, de sobrevalorizar uma certa interpretação do princípio democrático. A vontade da maioria deve sempre prevalecer, e qualquer argumento em contrário é "elitista", "burguês" ou "fruto do liberalismo".
Aliás, para algumas pessoas, o "liberalismo" é uma força maligna e oculta que tudo domina, respondendo até pelas folhas que caem da árvore da esquina, durante uma ventania.
Mas não existem limites a serem estabelecidos ao que quer a maioria?
Em trabalho que elaborei ao concluir a disciplina "Teoria da Democracia", procurei demonstrar que sim. Há link para uma versão dele, em PDF, em postagem de alguns meses atrás.
Mais recentemente, lendo um excelente livrinho de Zippelius, encontrei passagem bastante pertinente ao tema (ZIPPELIUS, Reinold. Introdução ao estudo do direito. tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2006).
Para ele, o homem nem sempre age racionalmente, principalmente quando agrupado, pelo que são necessárias cautelas para conter eventuais excessos de algumas deliberações.
Em passagem que coincide bastante com algumas referências que fiz em meu trabalho sobre os defeitos da democracia grega, e, depois, sobre o que a modernidade fez para aperfeiçoá-la, ele escreve:
"Nos políticos, tais influências irracionais encontram-se com as fraquezas humanas comuns. Muitos deles negam-se a trilhar o caminho da mínima resistência. É bem conhecido o medo que eles têm de se chocar contra associações e grupos influentes, o esforço que fazem para ganhar o apoio desses, o temor de agressões públicas, o desejo de serem apresentados pela imprensa e pela televisão de forma favorável e, principalmente, o empenho em melhorar as oportunidades em benefício de sua própria carreira e em consolidar a sua própria posição no poder.
Por essas e outras experiências, o otimismo antropológico, bem como a idéia do homem como 'animale racionale', foi, sem cessar, suplantado por outras noções.
(...)
As restrições contra esperanças demasiadamente otimistas sobre uma democracia direta são especialmente determiands pela noção de homem que Le Bon evidenciou em seu 'Psicologia das Massas' (1895). Segundo ele, os homens, quando em massa, estariam mais suscetíveis às sugestões dos demagogos, diminuídos na sua capacidade de crítica e de julgamento e desceriam alguns degraus na escala da cultura. Trata-se de noção de homem que encontrou na bem sucedida demagogia de Hitler e de outros uma confirmação demasiadamente palpável.
São noções de homem desse gênero que sugerem à prática política que não se deve confiar demais na razão, mas, também, harmonizar as regras comportamentais com as fontes irracionais da conduta. Se o homem é movido também pela vontade de poder, então é mais importante instituir controles de poder suficientes no Estado, do que radicalizar o princípio democrático." (pp. 54 e 55).
Foi exatamente o que eu disse em meu pequeno texto, que, se eu fosse escrever agora, certamente contaria com essa citação de Zippelius.
sábado, 29 de dezembro de 2007
Democracia e limites à vontade da maioria
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4 comentários:
Caro Professor,
Acabei vindo parar aqui no seu blog através da referência feita por outro "blogger", o George Marmelstein (http://georgemlima.blogspot.com/2008/01/um-blog-que-vale-pena.html).
Confesso que ainda não terminei de ler tudo que você já postou, mas desde já faço minhas as palavras dele, e meu comentário tem um único propósito: em que pese não haver comentários (pelo menos não nos posts que eu tenha lido), continue com o trabalho aqui, posto que MUITO interessante aos que, como eu, estudam o direito.
Parabéns pelo trabalho que vem realizando!
Att,
Rodrigo.
e veja que o STF entende dessa forma. Para os ministros, a democracia constitucional é diferente da democracia propriamente dita. Naquela, há de haver, pelo menos, manifestação de vontade da maioria absoluta, ao passo que nesta última modalidade, bastaria a singela maioria. Exemplos disso em nossa Constituição Federal é o quorum para aprovação de EC, abertura de CPI (para as comissões o raciocínio é invertido, pois que é um mecanismo de controle das minorias, porquanto é exigida quantidade mínima de assinaturas, apenas), aprovação de Leis Complementaes, cassação de cargos e funções etc.
É isso aí o que eu também penso.
Caro Dr. Hugo Segundo,
Estou visitando seu blog pela primeira vez e não poderia deixar de dar meus parabéns quanto ao conteúdo do mesmo assim como das demais publicações de sua autoria. Aproveito para desejar um feliz 2008! Abraço.
Hugo,
também concordo com suas palavras, embora, talvez por ser do Judiciário, eu veja com muito mais desconfiança a democracia representativa, sobretudo diante da prática política brasileira.
Aqui, pelo menos desde que passei a acompanhar melhor o mundo político/legislativo, o que se nota é que não há, verdadeiramente, uma representação popular.
Como as eleições são muito caras, os candidatos, ao serem eleitos, têm as seguintes preocupação antes de pensarem no interesse público: (a) como pagar as dívidas de campanha; (b) como ajudar aqueles que financiaram a campanha; (c) como angariar fundos e apopio político para as próximas eleições.
Diante de um quadro político assim, fica difícil ser otimista em relação à democracia representativa.
Assim, de forma descaradamente parcial, acredito que o Judiciário deve agir com mais intensidade para corrigir os erros da democracia representativa, que, aqui no Brasil, ocorre de forma regular, ao contrário de países mais amadurecidos institucionalmente.
Por outro lado, por total influência do professor Paulo Bonavides, tenho uma crença na democracia direta e acho que, mais dia menos dia, essa será a solução pelo menos para as questões que atinjam mais diretamente ao povo.
O referendo do desarmamento, com todas as críticas que lhe podem ser feitas, a meu ver, é um exemplo a ser seguido.
George Marmelstein
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