Estará certo Schopenhauer, quando diz que...
"O que é admirável é como a individualidade de toda pessoa (i.e., este caráter determinado, com este intelecto determinado), qual tintura permanente, determina todas as ações e pensamentos da mesma, até a mais insignificante; em conseqüência do que todo curso da vida, i.e., a história exterior e interior, de um se configura tão fundamentalmente diferente do outro. Assim como um botânico conhece a planta inteira por uma folha, e Cuvier construiu o animal inteiro por um osso, é possível a partir de uma ação característica de uma pessoa atingir um conhecimento correto de seu caráter, portanto construí-lo em certa medida a partir daí, inclusive quanto esta ação se refere a algo insignificante ..."?
Sempre achei que, se o sujeito fura uma fila no trânsito, ou no cinema, ou compra um trabalho escolar ou acadêmico, pode sem maiores escrúpulos furar uma licitação, ou comprar o seu resultado. Mas não será isso excesso de rigor? Terá o sujeito que ser certinho em tudo, sob pena de, diante da mais mínima falha, ser considerado capaz da maior delas?
6 comentários:
Entendo ser, cada caso um caso, não é possível firmar uma opinião concreta que irá nortear tantas outras atitudes.
A pessoa é movida de emoções, acerca disto diversos exemplos concretos e não hipotéticos de pessoas que cometeram atitudes não cabíveis socialmente, destas, até cometimento de infrações, devido ao momento. Quem já não fez algo do qual se arrepende? Voltaria a fazê-lo?
Temos que analisar objetivamente, não se trata de personalidade e, sim, elementares da atitude.
Jader
http://academicojus.blogspot.com/
Você levanta uma questão interessante, Jader, que é a da motivação. Alguém que, como o personagem do Samuel Jackson em um filme do qual não lembro o nome, mata os estupradores da própria filha, por exemplo, pode até estar fazendo algo errado, mas age movido por violenta emoção, e não se pode dizer que, por isso, poderia sair na rua matando qualquer um.
Mas e o que dizer de quem tem o HÁBITO de praticar pequenas desonestidades? Não seria o indicador de que é capaz de outras maiores?
Colocando-se a questão sob esses termos, do sujeito que tem o hábito de praticar pequenas irregularidades, entendo que a reiteração da prática acaba por enfraquecer o senso crítico do agente, de sorte que ele passa a compreender como normal a conduta escolhida, ainda que fraudulenta.
Seria algo ascendente, em que as fraudes vão se agravando e o agente não percebe o agravamento sucessivo, pois, para ele, é natural agir daquela forma.
Afasto, porém, a hipótese de alguém passar de uma infração singela (se é que podemos graduar as infrações) para uma mais grave de forma direta, pois, nesse caso, acredito que a percepção, ou pelo menos o aceno de que a conduta não é devida, é mais acentuada.
Hugo, acredito que a mera conduta de alguém pouco diz sobre o seu caráter, quando não podemos perquirir o aspecto volitivo. Uma pessoa pode cometer pequenos furtos porque é cleptomaníaca, porque não consegue emprego e possui filhos passando fome, ou apenas gosta da comodidade de conseguir bens sem o esforço do trabalho. Pequenos atos podem até servir como indícios, mas sem a ciência da motivação não passam disso. A questão está presente na discussão das teorias da ação. Na teoria finalista a culpa e o dolo fazem parte da conduta. Portanto, quando Schopenhauer diz que determinada ação pode externar o caráter de alguém, concordo na medida em que o certo e o errado estajam inserido na conduta, de modo a propiciar uma espécie de excludente de culpabilidade moral. Na prática, confesso que nem sempre procuro entender as razões do suposto mal educado e fico muito p. da vida com pequenos detalhes como furar fila. Frase de Einstein que faz alusão a realidade poderia ser utilizada para as aparências. "Reality is merely an illusion, albeit a very persistent one".
Rodrigo Sales (Fortunato)
Você está certo, Rodrigo. A questão é a motivação.
Quem rouba para dar de comer aos filhos não necessariamente acha que o ato de roubar é correto. Talvez ache menos errado do que deixar a prole perecer de inanição. Acho que a maioria das pessoas faria o mesmo, em situação análoga.
Mas, quando o texto que citei no post fala de conduta desonesta, acho que se refere àquela que em tudo, vale dizer, tanto na exteriorização como na motivação, é reprovável.
Quem acha que comprar uma monografia não tem nada demais, que é coisa de gente esperta que não tem tempo para ficar escrevendo besteiras, por exemplo, achará errado também dar uma fraudadinha em uma licitação?
Isso ocorre mesmo, Daniel. Há estudos a respeito. Quando a pessoa comete uma infração, sente como que tendo rompido um limite. Uma barreira ética, ou moral, que ela impunha a si mesma. Fica mais fácil, depois, praticar as mesmas infrações, já que o limite já foi ultrapassado. E fica mais fácil, também, subir um degrau a mais na escala das ilicitudes...
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