quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal

Tão logo publicada a Lei 11.382/2006, que veiculou importante reforma no processo de execução de título extrajudicial, alterando substancialmente a sua disciplina no âmbito do Código de Processo Civil (CPC), minha mulher, colega de trabalho e parceira em alguns escritos jurídicos, Raquel Cavalcanti Ramos Machado, provocou-me para escrevermos sobre as repercussões dessas mudanças no âmbito do processo tributário, especialmente da execução fiscal. Resisti. Disse para ela que as repercussões seriam mínimas. Afinal, a execução de título judicial (hoje "cumprimento da sentença") não seria aplicável às ações de conhecimento em matéria tributária, movidas contra a Fazenda Pública, eis que esta continua submetendo-se à "execução" através de precatório. As mudanças na execução do título extrajudicial, por sua vez, teriam pouca influência na execução fiscal, regida por lei especial, não modificada, sendo certo que a aplicação do CPC se dá apenas subsidiariamente. Como a LEF contém disposições distintas de muitas das "mudanças", essas simplesmente não poderiam ser aplicadas à execução fiscal.
Qual não foi minha surpresa, porém, quando juízes de varas de execução fiscal, e, pior, Tribunais Regionais Federais, começaram a aplicar o CPC às execuções fiscais. Como se a LEF não existisse.
Não acreditei. E ainda tive de ouvir o "eu te disse" da Raquel, tal como uma motoquinha de um desenho animado que eu assistia quando criança, da "Turma do Chapa". Estamos, nesse contexto, produzindo um texto para publicar na revista dialética de direito tributário, mas desde logo resolvi postar um "resumo" do que será esse artigo.
Em um primeiro momento, vamos nos limitar à questão de saber se os embargos à execução fiscal têm, ou não, o efeito de manter suspenso o processo executivo.
Como se sabe,dentre as várias alterações que levou a efeito no processo de execução disciplinado no CPC, a Lei 11.382/2006 revogou o § 1.º do art. 739 do CPC, segundo o qual os embargos do executado deveriam ser sempre recebidos no efeito suspensivo. E, além disso, incluiu no Código o art. 739-A, que dispõe:

“Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.
§ 1.º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
§ 2.º A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.
§ 3.º Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.
§ 4.º A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.
§ 5.º Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.
§ 6.º A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”

Suscita-se, então, o questionamento em torno da aplicabilidade desse artigo à execução fiscal, sobretudo do caput e do § 1º. O que significa indagar: mesmo tendo garantido a satisfação do débito e embargado a execução questionando-a integralmente, ainda teria o contribuinte de pleitear a atribuição de efeito suspensivo aos embargos? Indeferido esse pleito, a execução poderia continuar, de forma definitiva, com a alienação dos bens dados em garantia, ou a conversão em renda da quantia depositada, independentemente do processamento dos embargos?Para responder a essa questão, tem-se afirmado ser preciso saber apenas se a lei de execuções fiscais possui dispositivo que atribua efeito suspensivo ex lege aos embargos. Se não possuir, e muitos não vêem nela literalmente essa disposição, a aplicação subsidiária do CPC seria decorrência lógica.Consideramos, porém, que é importante examinar, além do que literalmente dispõe a Lei 6.830/80, eventuais características que diferenciem essencialmente a execução fiscal, disciplinada por essa lei, da execução dos demais títulos executivos extrajudiciais, regulada pelo CPC. Afinal, para que se entenda se a norma é a mesma, ou se é diversa, para as duas execuções, é importante verificar se os mesmos são os fatos, e os valores que se lhes devem atribuir.
Em primeiro lugar, a execução fiscal, diferentemente da execução de sentença, destina-se à satisfação de um crédito que ainda não foi submetido ao controle judicial.E, diversamente da execução de outros títulos judiciais, a execução fiscal visa à satisfaçao de um crédito representado por um título que não nasceu da vontade do obrigado (como um contrato, uma promissória ou uma letra de câmbio), mas da aplicação unilateral da lei pelo credor, que a ela dá a interpretação e a aplicação que lhe parecem mais convenientes. Esse dado é importantíssimo, e nunca pode ser esquecido quando se pretende "comparar" a execução fiscal com a execução movida por um credor privado, relativamente a uma obrigação contratual.
Além disso, a LEF tem, sim, diversos dispositivos que determinam, expressamente, a atribuição de efeito suspensivo aos embargos. É conferir:
“Art. 19 - Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias:
I - remir o bem, se a garantia for real; ou
II - pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Divida Ativa pelos quais se obrigou se a garantia for fidejussória.”

Vejam bem! Não sendo embargada a execução, ou sendo rejeitados os embargos...Por que é necessário que a execução não seja embargada, ou que estes sejam rejeitados, para que ela possa prosseguir? É evidentíssimo que porque os embargos têm efeito suspensivo. Como pretender uma aplicação "subsidiária" do CPC contra um dispositivo de tamanha clareza, mais específico?
Em seguida, o art. 24 é incisivo:
"Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:
I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;
II - findo o leilão:
a) se não houver licitante, pelo preço da avaliação;
b) havendo licitantes, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta, no prazo de 30 (trinta) dias.
Parágrafo Único - Se o preço da avaliação ou o valor da melhor oferta for superior ao dos créditos da Fazenda Pública, a adjudicação somente será deferida pelo Juiz se a diferença for depositada, pela exeqüente, à ordem do Juízo, no prazo de 30 (trinta) dias."
Ora, por que é necessário que a execução não tenha sido embargada, ou que estes tenham sido rejeitados, para que possa a Fazenda adjudicar os bens penhorados? Será porque os embargos suspendem a execução, impedindo-a de adjudicar antes que sejam julgados? Não parece possível outra resposta que não a positiva: sim, os embargos suspendem a execução.
Mas não só. O art. 32 ainda dispõe:

"Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:
I - na Caixa Econômica Federal, de acordo com o Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, quando relacionados com a execução fiscal proposta pela União ou suas autarquias;
II - na Caixa Econômica ou no banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.
§ 1º - Os depósitos de que trata este artigo estão sujeitos à atualização monetária, segundo os índices estabelecidos para os débitos tributários federais.
§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente."
Por que o depósito somente será entregue à Fazenda após o trânsito em julgado da decisão que eventualmente julgar improcedentes os pedidos do embargante? É claro que porque os embargos têm efeito suspensivo. Impossível aplicar o CPC "subsidiariamente" em face dessa disposição.

Aliás, considerada a forma como os títulos executivos que aparelham as execuções fiscais são formados, unilateralmente, pelo próprio credor, sem controle judicial prévio, ainda que a lei de execução fiscal fosse omissa, ou mesmo que fosse alterada para determinar expressamente o contrário do que hoje preconiza, os embargos não poderiam deixar de suspender a execução, sob pena de malferimento ao art. 5.º, XXXV, LIV e LV, da CF/88.

14 comentários:

Anônimo disse...

Poderia me informar qual o nº do processo que trata desse assunto?

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Como assim o número do processo?
Você se refere a decisões que tenham tratado dos efeitos da oposição de embargos? Caso afirmativo, procure no site da editora dialética (www.dialetica.com.br), ou diretamente no site do CJF (www.cjf.gov.br), no qual você pode pesquisar simultaneamente na jurisprudência do STJ e dos cinco TRFs.

Anônimo disse...

Tenho uma dúvida com relação a execução fiscal e gostaria de aproveitar o espaço e conhecimento do autor para questionar a respeito. Em execução fiscal apresentei embargos que foi julgado procedente sendo o imposto cobrado pelo municipio anulado, foi apresentado recurso de apelação que atualmente encontra-se pendente de julgamento junto ao TJ, por precisar de uma certidão positiva com efeitos de negativa, efetuei déposito judicial do valor integral do principal neste processo, entretanto o Municipio se nega a expedir a certidão alegando que além do valor principal existe a necessidade de garantir os honorários e as custas em juízo tmb. Este procedimento está correto?
Desde já agradeço.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Algumas coisas não estão claras em sua pergunta.
Por exemplo: você embargou a execução garantindo-a através de penhora, e depois fez o depósito? Ou o depósito foi a forma encontrada para garantir a execução e, em seguida, embargá-la?
O direito à CPD-EN decorre da garantia da execução, que há de ser completa (para dar direito à CPD-EN, nos termos do art. 206 do CTN), mas não precisa ser em dinheiro. Por completa, entenda-se, em valor igual ou superior àquele que o Município entende devido (inclusive com juros, multas etc., e não só o principal).

Anônimo disse...

Aproveito o espaço para dirimir um impasse, qual seja:
Não consigo comprender a grande aplicação do CPC nos casos de execução fiscal, sendo que a mesma é uma norma de aplicaçaõ subsidiária,e que temos uma lei especifica que trata do assunto a LEF que regulamenta esse efeito suspensivo dos embargos,porque isso acontece?

Anônimo disse...

Ilustre Professor,
Sou sua aluna do curso de pós-graduação da Rede LFG e UNIDERP.

Considerando que a oposição de embargos suspende a execução, podemos dizer que os embargos com garantia suspendem o processo,independente de decisão do juiz? ou, esses embargos dependem sempre de decisão do juiz para que sejam suspensos?

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Paula,
Considero que, tendo em vista a forma como o título executivo é constituído (compulsória e unilateral), e a forma como a Fazenda devolve as quantias que receve indevidamente, além do disposto nos arts. 19, 24 e 32 da LEF, o art. 739-A do CPC não se aplica, vale dizer, os embargos, depois de garantida a execução, suspendem-na independentemente de decisão judicial a respeito. Mas esse é meu entendimento. Há juízes que pensam de forma diversa, sendo prudente, ad cautelam, mesmo defendendo a inaplicabilidade do art. 739-A do CPC, pedir expressamente - para o caso de o juiz ter pensamento contrário - a suspensão da execução.

Anônimo disse...

Prezado Drº,
A minha monografia de término da graduação é justamente sobre este tema da suspensividade (se aplica ou não o CPC na ex. fiscal). Em minha comarca, o juiz fazendário entende o contrário do que o senhor evidenciou em seu texto. Estava convicta de que, com a nova visão de efetividade e celeridade do processo, na omissão da LEF qt. a suspensividade automática deve-se aplicar o CPC (art. 739-A).
Gostaria de sua ajuda, quais os doutrinadores usados para esta visão? O senhor publicou livro ou artigo sobre o assunto?
Aguardo retorno.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Natália,
A questão - em meu entendimento - é exatamente a de que a LEF não é omissa coisa nenhuma. É conferir seus arts. 19, 24 e 32.
Além disso, sendo a CDA - diversamente dos outros títulos - constituída unilateralmente pelo credor, de forma compulsória, e sendo a devolução de valores eventualmente pagos de forma apressada e indevida feita ATRAVÉS DE PRECATÓRIO - também diversamente do que ocorre com os demais credores - o CPC não pode ser aplicado neste particular.
Publiquei quatro artigos sobre o tema.
Um na RDDT, e outro no livro grandes questões atuais do direito tributário v.12. Ambos podem ser encontrados em www.dialetica.com.br
Outro foi publicado em livro de autoria coletiva da APET, e um quarto no livro "execução fiscal" coordenado pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins, publicado pela RT.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

A referência mais detalhada a esses artigos está em meu currículo lattes, que pode ser acessado a partir da página principal do blog, em link situado no canto superior direito.

carol bessa disse...

Aproveito o espaço para dirimir uma dúvida, qual o momento oportuno para requerer a suspensão da execução, somente é possível na petição dos Embargos à Execução? Se não for requerido a suspensão pelo embargante na petição dos embargos ele poderá requerer em outro momento?

Anônimo disse...

Na realidade também é uma dúvida. Talvez das mais simples acerca da parte prática do depósito para embargar. Tenho que apresentar embargos esta semana relativos a uma Execução Fiscal movida pela União (ou seja imposto federal IRPF) porém na minha cidade (Guarujá/SP) não tem Justiça Federal, e os autos correm pelo Anexo Fiscal da Fazenda Pública, órgão da Justiça Estadual. Pergunta: qual a guia utilizada para fazer o depósito judicial? guia da justiça comum ou aquele DARF DJE?
Pergunta: atualizar o crédito tributário por alguma tabela? Qual? Pode ser a do TJSP
Na esperança de que conhecimento deve ser compartilhado, espero que possa me ajudar com sua prática na área, coisa que não tenho. Obrigada. Paola Petta

Anônimo disse...

professor, caso seja proposto ação anulatoria de debito fiscal, e tenha a fazenda interposto ação fiscal de cobrança tendo o juiz suspendido definitivamente a penhora. Seria possivel a certidão negativa com efeitos de positiva, diante a suspensão dos embargos, ou teria que oferecer bens a penhora como ficaria neste caso?

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Juiz suspendido a penhora? Não entendi a situação narrada na pergunta...