Um dos pareceres constantes do livro "Direito Tributário Aplicado", aqui já referido, versa exatamente esse assunto. Foi uma consulta que nos fez uma Associação de Prefeitos.
A ementa do parecer:
"ICMS. INCENTIVOS FISCAIS. REFLEXOS NA RECEITA DOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE.
A partilha das receitas tributárias é tema tratado na Constituição Federal e constitui elemento essencial do conceito de Federação, de sorte que não pode ser alterada por qualquer norma de hierarquia inferior.
Se a alteração na partilha das receitas tiver o efeito de eliminar a autonomia dos Estados, ou dos Municípios, nem mesmo por Emenda constitucional poderá ser feita.
São desprovidos de validade jurídica os dispositivos de lei estadual que restringem significativamente a participação dos Municípios na receita do ICMS, posto que implicam indevida intervenção dos Estados nos Municípios, que só é cabível nos casos expressa e exaustivamente autorizados pela Constituição Federal.
A prorrogação dos prazos para os pagamentos do ICMS, como forma de incentivo concedido pelo Estado XXXX através do XXXX, com a exclusão destes do valor da receita para fins de cálculo da participação dos Municípios, configura violação flagrante dos artigos 158, IV, e 167, IV, da Constituição Federal, além de violação indireta de seu art. 35, que limita os casos de intervenção nos municípios, consubstanciando por tudo isto inadmissível agressão à autonomia municipal.
O direito dos Municípios ao recebimento de suas participações na receita do ICMS pode ser defendido mediante mandado de segurança contra o ato, já consumado ou iminente, de aplicação de normas da legislação estadual em referência, que pode ser impetrado pela XXXX na defesa dos interesses dos Municípios, ou por cada um deles individualmente.
É cabível, ainda, perante o Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação estadual que restringem a participação dos Municípios na receita do ICMS, promovida por partido político com representação no Congresso Nacional ou por entidade de classe de âmbito nacional."
Tive a grata surpresa de ver, entre as mais recentes decisões do STF, uma que versou precisamente esse assunto. Foi noticiado pelo site da corte:
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC), segundo a qual a concessão de incentivos fiscais pelo estado não pode diminuir o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) constitucionalmente assegurado aos municípios. A matéria foi discutida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 572762, que teve provimento negado.
A decisão vale para outros sete recursos que tratam do mesmo tema e, por isso, foram julgados em conjunto. São eles: Recursos Extraordinários 482067, 485541, 485553, 499656, 509517, 526831 e 550518.
O caso
O RE 572762 foi interposto pelo estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça local. Favorável à apelação do município de Timbó, o TJ-SC entendeu correto o fundamento de que viola a Constituição Federal a retenção de parcela do ICMS pertencente ao estado catarinense em razão da concessão de incentivos fiscais.
O estado alegava violação aos artigos 158, inciso V e artigo 160, ambos da Constituição Federal. Sustentava que o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (Prodec) é um mecanismo de desenvolvimento sócio-econômico do estado, o qual permite que empresas instaladas em Santa Catarina sejam beneficiadas com uma das formas de incentivo, isto é, financiamento por meio de uma instituição financeira oficial ou a postergação do recolhimento do ICMS. No caso, está em questão esta última forma de incentivo.
No recurso, o estado argumentava que como o momento do recolhimento do imposto é diferido, não seria possível falar em arrecadação da tributação e muito menos do direito dos municípios à repartição da receita dele decorrente. Segundo o estado, “o fato de os municípios terem direito a parcela da arrecadação de determinado tributo, não lhes confere qualquer competência sobre este, o que somente ocorre quando deixa de existir como tributo e passar a existir como receita pública, ou seja, quando for arrecadado”.
Segundo o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), “o estado de Santa Catarina vem utilizando a cota relativa ao repasse da arrecadação do ICMS pertencente ao município com o intuito de financiar empreendimentos comerciais e industriais”.
Autonomia financeira
O ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, negou provimento ao recurso. O ministro falou da necessidade de haver autonomia financeira do município “porquanto não pode agir com independência aquele que não possui recursos próprios”.
“Percebe-se, pois, da conclusão do tribunal a quo (TJ-SC), que o tributo em tela já havia sido efetivamente arrecadado, sendo forçoso reconhecer que o estado, ao reter a parcela pertencente aos municípios, interferiu indevidamente no sistema constitucional de repartição de rendas”, afirmou o relator.
Lewandowski entendeu que a lei catarinense ofende também outro preceito constitucional. O ministro explicou que na medida em que o Prodec se qualifica como Programa de Incentivo Fiscal Estadual instituído por lei ordinária local viola o artigo 155, parágrafo 2º, alínea “g”, da Constituição. De acordo com esse dispositivo, cabe a lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão revogados.
O relator ressaltou que a jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que benefícios tributários concedidos unilateralmente por estados membros afrontam o princípio federativo “por incentivarem a deletéria guerra fiscal”. Assim, citou as ADIs 1179, 2076 e 2377.
Ao final, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, registrou a importância da matéria. “Trata-se de um pronunciamento que o tribunal faz, uma matéria técnica de distribuição de receita, mas que enfatiza a importância da autonomia municipal naquilo que ela tem de substancial, que é a autonomia financeira a partir dessa rede, dessa tessitura, concebida pelo texto constitucional”, disse Mendes, ao acompanhar o voto do relator, que foi seguido pela unanimidades dos ministros."
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