terça-feira, 3 de junho de 2008

Indenização por danos morais, imposto de renda e oscilação jurisprudencial

A jurisprudência do STJ, que parecia pacificada, talvez se modifique mais uma vez, relativamente ao imposto de renda e às indenizações por danos morais.
Conforme já noticiado neste blog, o STJ entendia - a meu ver com razão - que a indenização por danos morais representa uma forma de acréscimo patrimonial. Aumenta-se o patrimônio do sujeito, como forma de compensar a dor sofrida. O constrangimento, a dor, a vergonha, a angústia, são irreparáveis. Mas entende-se que o infrator não pode ficar sem sanção por isso, e que, de qualquer modo, o recebimento de quantia em dinheiro propicia à vítima uma outra alegria, ou conforto, que se não "apaga" a vergonha, pelo menos de alguma forma (a única possível) a compensa.
Pois bem. Como se trata de acréscimo patrimonial (diferente da reposição de um dano material, que é mera recomposição patrimonial, sem acréscimo de patrimônio), há, em tese, incidência do imposto de renda.
Assim vinha decidindo o STJ, mas, parece, haverá mudança nesse entendimento. É conferir o que foi noticiado em seu site:

***

"Pedido de vista interrompe julgamento sobre cobrança de IR em indenização por dano moral
Cinco ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça votaram contra a cobrança de Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IR) sobre indenização por danos morais. Um ministro votou a favor. O julgamento foi interrompido por pedido de vista. Falta o voto de mais três ministros. Até a conclusão do julgamento, os votos podem ser revistos. A ação em julgamento é um recurso especial proposto pela Fazenda Nacional, que tenta cobrar IR sobre uma indenização por danos morais. A Fazenda alega que a reparação por dano moral em discussão gerou acréscimo de patrimônio, que é fato gerador do imposto.
O relator, ministro Herman Benjamim, negou provimento ao recurso por entender que indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do IR. Isso porque a indenização se limita apenas a recompor o patrimônio imaterial da vítima. O relator esclareceu que não está reconhecendo a isenção do imposto, mas sim a ausência de riqueza nova oriunda do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos capaz de caracterizar o acréscimo patrimonial previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Castro Meira, José Delgado, Eliana Calmon e Humberto Martins. O ministro Teori Albino Zavascki divergiu. Ele concorda com o argumento da Fazenda Nacional e entende que o imposto deve ser cobrado. O ministro Francisco Falcão pediu vista. Além dele, falta votar a ministra Denise Arruda e o juiz convocado Carlos Mathias. O presidente da Seção, ministro Luiz Fux, só vota em caso de empate.
O caso
Segundo os autos, um advogado ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. Em 1992, ele foi vítima de um assalto em que levaram diversos pertences seus, inclusive os documentos de identificação. Cerca de um mês depois, ele leu no jornal que um assaltante de uma agência de turismo havia sido preso em flagrante e identificado como se fosse o advogado.
Após os devidos esclarecimentos, ele conseguiu retirar seu nome dos registros policiais. Mas o Poder Público continuou a vincular seu nome ao do assaltante. Em janeiro de 1995, o criminoso fugiu do presídio e as autoridades policiais expediram mandado de prisão contra o advogado. Ao procurar o departamento de trânsito para renovar a carteira nacional de habilitação, o advogado foi surpreendido com uma ordem de prisão, que só não ocorreu porque ele esclareceu a sucessão de enganos. Em dezembro de 1995, o criminoso fugiu de novo. Com medo de mais falhas administrativas, o advogado impetrou pedido de habeas-corpus preventivo e obteve salvo-conduto para não ser preso. Diante de todos esses fatos, a ação de indenização foi julgada procedente e o Estado do Rio Grande do Sul foi condenado a pagar R$60 mil por danos morais ao advogado. A discussão no STJ é decidir se incide ou não IR sobre esse pagamento."
.
.
Particularmente, concordo com o Ministro Teori. As razões invocadas pelos votos até agora proferidos, no sentido da não-incidência do IR, são excelentes razões de política fiscal para a concessão de isenção do imposto, mas não para o reconhecimento de uma hipótese de não-incidência.
Na verdade, a indenização não se enquadraria como renda (não é o produto do capital, do trabalho, nem da combinação de ambos), mas se enquadra seguramente como proventos, pois é um outro tipo de acréscimo patrimonial (e isso ela é) não enquadrável no conceito de renda.
Falar que o patrimônio imaterial é relevante, no caso, é perigoso. Se está havendo apenas recomposição dele (e por isso não se está cobrando o IR), então quando de seu primeiro crescimento, haveria fato gerador do imposto? Tenho que colocar em minha DIRPF o conceito que meus amigos têm de mim? Minha reputação na praça, para fins de crédito? O valor que dou à minha imagem? Aos meus parentes? À minha tranqüilidade?
No "Valor" foi publicada reportagem que permite conhecer um pouco melhor os argumentos postos no debate. É conferir:
***
"
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Indenizações por dano moral devem ser isentas de imposto
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu ontem uma maioria de cinco votos contra um afastando a incidência de Imposto de Renda (IR) sobre indenizações por danos morais. O placar, ainda que parcial, garante a isenção do tributo mesmo com o julgamento ainda em andamento - o caso está suspenso por um pedido de vista, mas faltam apenas três votos a serem proferidos. Mantida a posição parcial, o STJ reverte o entendimento mais utilizado na corte até agora, elaborado pelo ministro Teori Zavascki na primeira turma, em 2005, segundo o qual há incidência de IR. Em 2001 e 2002, a primeira e segunda turmas tinham o mesmo entendimento definido na tarde de ontem.
O tribunal julgou um pedido a Fazenda Nacional contra o advogado E. F. V., que recebeu uma indenização por danos morais do governo do Rio Grande do Sul. Segundo o relator do processo no STJ, Herman Benjamin, E. V. teve os documentos roubados e utilizados por um criminoso. As acusações contra o assaltante ficaram registradas no nome de V. mesmo depois de reiterados pedidos ao Estado para a correção do erro - até que, anos depois, o advogado recebeu voz de prisão ao tentar renovar a carteira de motorista. Na Justiça, obteve uma indenização por danos morais no valor de R$ 60 mil. Segundo a tese defendida pela Fazenda Nacional, a indenização só é isenta do IR se representar uma recomposição patrimonial. No caso, a indenização por dano moral, apesar de recompor um patrimônio imaterial, é um acréscimo material no patrimônio de quem foi indenizado e, portanto, pode ser tributado.
Segundo o procurador da Fazenda Nacional, Cláudio Seefelder, a posição mais recente do STJ, definida em um longo voto proferido por Teori Zavascki na primeira turma em 2005, foi favorável à cobrança do Imposto de Renda. Para o ministro Herman Benjamin, no entanto, estes valores não acarretam acréscimo patrimonial e limitam-se a recuperar o dano imaterial à vítima. Segundo o ministro, esta indenização não aumenta o patrimônio da parte, apenas o recompõe pela via material. "Do contrário o Estado seria sócio do infrator e beneficiário da dor do paciente", diz Herman. O desembargador convocado Carlos Mathias seguiu a mesma linha e entendeu que não se trata de um reparo, mas de uma expiação que não deve ser tributada. "Incomoda-me ver o Estado entrar nessa dor moral", afirmou. O ministro José Delgado reforçou a posição manifestada pelo relator do caso citando o Código Tributário Nacional (CTN), pelo qual o Imposto de Renda só pode incidir sobre o produto do capital, do trabalho ou de proventos - o que não incluiria o dano moral. "Essa indenização resulta de um dano gerado por outrem, e não pelo sujeito ativo tributário", afirmou. Depois do voto da ministra Eliana Calmon no mesmo sentido e de um pedido de vista de Francisco Falcão, votou contra a Fazenda também o ministro Humberto Martins. Também depois do pedido de vista, apesar da maioria já constituída, Teori Zavascki proferiu um voto para defender sua posição. Segundo ele, o Código Tributário Nacional tem uma definição ampla do que são os "proventos" que podem ser tributados pelo Imposto de Renda: tudo aquilo que não é capital, trabalho ou a combinação dos dois.
Segundo Teori, "se alguém recebe uma indenização por dano material, é claro que há acréscimo patrimonial". Quanto a saber se isso deve ser tributado já seria um problema de isenção: "Se o tributo é agradável ou não, isto é uma questão de política legislativa", afirma. Para ele, a idéia de que o Estado não pode ser sócio da dor também não convence. "O Estado também pode tributar o resultado de uma atividade ilícita. E por isto ele é sócio do crime?"
Fernando Teixeira, de Brasília"
Até acho que poderíamos pensar em argumentos, de cunho constitucional, para justificar a não-incidência. Não dizer que se trata de recomposição do patrimônio, mas afirmar que a indenização há de ser integral (e o IR retiraria essa integralidade)... Ou então afirmar que a recomposição do dano moral não revela capacidade econômica... Mas será que não? O que acham os leitores do blog?

2 comentários:

Unknown disse...

O Min. Herman Benjamin, a meu ver, utilizou-se da linguagem para criar verdadeira falácia. Dizer que a indenização moral não acarreta acréscimo patriominal é, realmente, ir contra a "natureza das coisas". Reduzir a indenização faz com que o dano não seja integralmente diminuído ou amenizado, mas o mesmo não ocorre em relação aos rendimentos do trabalho, por exemplo? O trabalho também não é completamente recompensado quando pagamos o imposto de renda. O fato é que essas questões são irrelevantes para a incidência do tributo. É matéria afeta à política fiscal, cujo órgão competente é o Legislativo e não o Judiciário.

Anônimo disse...

masque barbaridade esse comentário....