terça-feira, 16 de setembro de 2008

Abaixo as conjunções conclusivas

Foi divulgado que o Presidente Lula teria dito "foda-se a Constituição". 
Não sei se é verdade. Mas o evento lembrou-me de notável passagem do livro do Prof. Alberto Xavier.
Para quem não conhece, trata-se de professor de Direito Tributário, autor de obras notáveis no âmbito do processo tributário, do direito internacional tributário e do planejamento tributário, português que vive no Brasil há algumas décadas. Seus livros - quem já os leu sabe disso - são de erudição, clareza e profundidade notáveis.
Bom, mas o livro do qual estou falando é literário. Sua primeira incursão no terreno da ficção. E dele extrai, para transcrever aqui no blog, o seguinte trecho:
 


ABAIXO AS CONJUNÇÕES CONCLUSIVAS

- Foda-se  o 'logo'! – exclamo, subitamente aliviado da pressão exercida por um sistema de raciocínio, em relação ao qual certos instintos mediterrânicos me sussurravam dever manter-me, pelo menos, ou por enquanto, cético.
(Observo entre parêntesis que, se me permito a plebéia interjeição 'foda-se', não é por grosseria ou vontade de chocar – de resto, quem? – mas pelos efeitos distensores que exercem no meu psiquismo os elementos fonéticos da respectiva articulação. Especialmente a fricativa 'F', em que o ar comprimido passa por uma fenda estreita da cavidade bucal, desencadeia alívios comparáveis aos de uma merecida excreção. Logo após, a oclusiva línguo-dental 'D' satisfaz a minha agressividade latente, tanto mais acalmada quantas mais vezes a ponta da língua bate na arcada dental, como tímpano num tambor: d-d-d-d. A alveolar 'S' (do-se), em que o ar sai da minha boca como um silvo de cobra, representa a fase final do meu apaziguamento interior. A vogal média fechada 'Ô' imprime um pano de fundo prolongado, repousante, ordenado, inexorável e neutro, com a estrita finalidade de realçar, por contraste fonético, o belicismo do F, do D e do S. Vêm estas considerações a propósito apenas para me escusar perante Fátima, que odeia plebeísmo e vulgaridades, do emprego que faço da expressão 'foda-se' com fins estritamente terapêuticos, relaxantes e medicinais.
Aproveitando o desabafo, acrescento que quase tão bom como dizer 'foda-se' é soletrar 'porra'. Raros fonemas conseguem produzir o prazer 'excretal' de 'porra'. Seja qual for o significado material deste fonema, a verdade é que é indizível o prazer acústico-labial que dá dobrar os lábios em posição de combate, e expelir a militar oclusiva 'P' com o prazer uretral de quem urina, e a raivosa vibrante velar, o 'R' sonoro forte, no véu palatino, de modo rolado, repetitivo, como um rufar de tambor ou um disparo múltiplo de 'fogo grego'. (Dizer 'porra' é – tal como dizer 'foda-se' – um estilizado e intenso prazer fonético).” (XAVIER, Alberto. Al-gharb - 1146 - uma viagem onírica ao portugal muçulmano.  1ª edição. Rio de Janeiro:Gryphus, 2004, p. 156)

O Presidente, portanto, estaria apenas a experimentar os efeitos distensores que exercem no seu psiquismo os elementos fonéticos da respectiva articulação...


Um comentário:

bruna disse...

incrível capacidade de falar coisas engraçadas e simples de uma forma sofisticada! :)