terça-feira, 24 de março de 2009

Às vezes a galera abusa...

Sempre gostei de conversar sobre Direito. Por conseguinte, sempre gostei, também, de ajudar colegas de turma e, depois alunos e ex-alunos, e colegas de profissão, a resolver problemas e a solucionar dúvidas em torno de questões jurídicas.
Aliás, pelo que lembro, gosto disso desde o tempo do colégio, quando às vezes ajudava colegas a estudar certas matérias. Gostava sobretudo de física, na época.
Este blog é demonstração mais do que suficiente disso que estou dizendo.
Não raro recebo, também, e-mails de pessoas dos mais variados lugares, perguntando algo relacionado ao Direito.
E sempre os respondo, com satisfação. Por questão de tempo, algumas respostas são curtas, mas sempre as dou.
Às vezes, contudo, as pessoas forçam um pouco a barra.
Uma coisa é o aluno que envia e-mail dizendo que tem uma dúvida sobre prescrição em matéria tributária, na situação tal ou tal, narrando então caso bem específico e justificando a razão de sua dúvida. Uns até transcrevem trechos de livros nos quais pesquisaram, na tentativa de mostrar que neles não encontraram a resposta. Respondo com o maior prazer.
Mas outra coisa é o aluno que dispara: 
"Prezado Hugo,
Estudo Direito na Faculdade XXXX, e meu professor de Direito Tributário passou trabalho sobre imunidades. Por favor, mande o que tiver sobre o assunto para o meu e-mail: fulano@caradepau.com.br.
Ah, tenho urgência, pois devo entregar o trabalho depois de amanhã!
Valeu,
fulano de tal".

Putz. É muita cara de pau.
E eu ainda respondo. Não "mandando por email o material", mas dizendo à pessoa, educadamente, que o propósito do professor dela é que ELA FAÇA A PESQUISA, e que ela pode começar pelos livros tais, tais e tais, que têm muitas informações relevantes sobre o assunto.
Mas o pior é o colega advogado.
Não estou falando daquele que é seu amigo em outras circunstâncias, que ligaria para pedir a indicação de um pediatra para o filho, ou para perguntar o que você está achando do carro novo, cujo modelo ele pensa em comprar também. É claro que esse pode ligar para perguntar o que quiser. Também não falo daquele que liga para ouvi-lo sobre questão tormentosa, para a qual os livros não têm resposta, e tampouco você, mas ele apenas quer dividir suas incertezas e angústias, sem descer nos detalhes do caso ou da situação concreta, levando-lhe apenas um problema, em tese, e sem pressa. Também esse fala com você em outras circunstâncias.
Refiro-me, aqui, àquele que liga, geralmente na hora do almoço, e que faz uns dois anos que você nem via e que nem falava com você, mas que já vai metralhando, cobrando a resposta pronta e célere:
"Oi! Sabe, estou com um cliente aqui, uma empresa grande, com uma execução de XX milhões. Ela nos procurou porque sabe que há muitos anos atuamos nessa área, e temos bom relacionamento no judiciário...
Pois bem. Queremos embargar a execução, pois a dívida é descabida, mas os bens do executado talvez não sejam suficientes. E agora? Só poderia indicá-los se fossem suficientes, não é? Se não forem, não dá para fazer nada, não é? O que "vocês" têm feito em casos assim? Indicam títulos da dívida pública? Acho que vou sugerir isso para eles..."

Não sei por que há advogados que adoram dizer que têm como clientes "empresas grandes" e "questões de milhões". Acham que atraem para si a suposta importância do cliente, ou então que todos vão pensar que seus honorários serão por acaso proporcionais aos tais milhões. A auto-referência no plural, na conversa falada, e ainda por cima vindo de alguém que não tem um pingo da modéstia que quer parecer ter, também é dose. E isso para não referir o tal "bom relacionamento"...
Tudo isso eu pensava enquanto ouvia, calado. Engoli seco, olhei para meu prato de comida sobre a mesa, meu almoço interrompido por aquela ligação supinamente inoportuna, respirei fundo, e disse:
- Faz muito tempo que o STJ pacificou seu entendimento no sentido de que a penhora não precisa ser suficiente para que o executado possa opor embargos à execução fiscal... Você pode indicar bens à penhora, embargar a execução, e posteriormente proceder ao reforço, se for o caso.

A pessoa do outro lado da linha ficou um tempo em silêncio. A impressão que tive foi de que estava anotando alguma coisa, enquanto dizia: "O STJ decide assim, é? Hum... Penhora não precisa ser integral... Sei... Reforçar depois... Ahn...", e em seguida disse: "- Valeu, tchau!", e desligou.

É de lascar, a pessoa que "pega" execuções de "milhões" contra uma "empresa grande" e que atua "há anos" em processos de execução fiscal não saber do entendimento do STJ sobre o assunto, firmado pela Primeira Seção faz uns quatro anos. Mais de lascar ainda é me ligar na hora do almoço para perguntar isso sem nem ter se dado ao trabalho de olhar no meu livro, ou mesmo de dar uma pesquisada no Google, coisa que até os mais preguiçosos fazem.
Mas isso me deu uma boa idéia. Da próxima vez, quando estivesse sem tempo para responder (almoçando, por exemplo), e quando percebesse o excesso, digamos, de madeira na face de quem me estivesse dirigindo a pergunta, eu diria simplesmente que no meu livro tal, página tal, a pessoa acharia a resposta. Talvez seja meio boçal, sei lá, mas às vezes diante de um doido, só um doido e meio. Diante de um cara de pau, então...
Bom.
Eis que recebo, dias depois, a ligação de outro colega.
Situação semelhante, embora o aspecto jurídico fosse outro.
Disse que não poderia responder no momento, mas que tudo o que eu poderia dizer ao telefone estava escrito no item tal, página tal, da terceira edição do meu "Processo Tributário". E estava mesmo. Eu havia acabado de revisar a terceira - vai sair em breve a quarta - para enviar os arquivos eletrônicos à Atlas, e sabia até onde estava o assunto que ele perguntava. Disse isso a ele, que então não perdeu tempo:
- Não dá para me mandar, por e-mail, só o trecho que você está mencionando, já que você tem em meio eletrônico? E tem que ser logo, porque meu prazo acaba segunda-feira (isso era em um sábado), e não vai dar tempo para mim fazer a pesquisa no fim de semana...
Desconversei e não mandei. Mas, da próxima vez, mandarei e-mail com o seguinte anexo:


14 comentários:

Thiago Vargas disse...

Caro Hugo,

Infelizmente, não se pode esperar das pessoas bom senso. Tal "artigo", na minha opinião, é "opcional"...não vem de "fábrica".

Abraço e parabéns pelo excelente blog.

Thiago de Oliveira Vargas

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Thiago,
Hahaha. Gostei da comparação. É verdade. É um "opcional"...
Obrigado.

Anônimo disse...

Hugo, realmente muita cara de pau os casos relatados por você. Eu, na única vez um e-mail para você, a respeito de como anexar arquivos em blogs, procurei bastante antes de lhe perguntar. Ao final, coloquei no Scribd para fazer o link no site. Agradeço pela resposta e, desde já, informo que o blog será usado para a re-construção de um periódico eletrônico jurídico já existente. Quando estiver pronto lhe passo por e-mail. Felicidades.

Bruno Weyne.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Você, Bruno, com certeza, definitivamente, nem de longe se assemelha a esses exemplos do post!
Abraços

Natacha O. Júlio disse...

Me identifiquei com esse texto. Não na vida profissional, até porque acabei de iniciar a vida acadêmica, mas nos tempos de escola mesmo.
Os telefonemas e e-mails de folgados me irritavam.
Ainda bem que esses tempos passaram.
Mais uma coisa: seu blog é sensacional.

Anônimo disse...

Olá Hugo! Gostei tanto do seu blog que até tomei a liberdade de fazer uma referência ao seu post no meu blog A ADVOGADA. (http://daniella-advogada.blogspot.com/)
Parabéns pelo site!
Um grande abraço.

Anônimo disse...

Tem também aquele cliente que nunca fecha contrato, mas sempre te liga com a famosa introdução: "é só uma perguntiiiiinha...". Daí se estende para uma consulta gratuita.

Para esse, não enviei o "Óleo de Peroba", mas fiz igual a uma piada velha: mandei o boleto bancário no dia seguinte.

Nunca mais ele me ligou e nem pagou...

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Natacha e Daniela,
Fico feliz que tenham gostado do blog.
Sintam-se à vontade para comentar e "linkar" o que quiserem.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

É verdade, também tem desses clientes. E o pior é que, pelo menos no meu caso, são dos mais exigentes, e com as questões mais trabalhosas... :-)
A solução do boleto é muito boa...

George Marmelstein disse...

Hugo,

estou com uma dúvida na declaração de imposto de renda deste ano, pois não sei como declaro os gastos com educação no exterior. Você poderia me informar algo a respeito?

Brincadeirinha....

George

George Marmelstein disse...

Ah, e tem que ser antes do final de abril!!!

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Hahahahahahahahaha!!!!
Grande George, essa dúvida você certamente não tem. Mas, se tivesse, poderia ligar, mandar e-mail, SMS, que eu responderia com o maior prazer.
Você seguramente está entre aqueles que podem ligar à hora que quiser para perguntar (ou dizer, ou afirmar, ou reclamar) o que quiser.
um abraço,

Anônimo disse...

Fiz um post inspirado no seu. Veja em: Cuidado com quem você consulta.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Gostei do post, Gustavo. É no que dá, às vezes, ficar só "chupando" a informação dos outros, irresponsavelmente.