sexta-feira, 27 de março de 2009

Quem só concorda comigo não me ajuda a crescer

Mais um post do "lado Caras do mundo jurídico".
Lembrei do assunto a propósito da 30.ª edição do Curso de Direito Tributário, cuja "quota do autor" acabou de chegar aqui no escritório. Meu pai está bastante satisfeito. É uma edição histórica. 30 edições em 30 anos, pois a primeira é justamente de março de 1979. E as últimas tiragens giraram em torno de 17.000 exemplares.
Lembramos, a propósito dela, do professor Ives Gandra da Silva Martins, que fez a apresentação da primeira edição do livro e desde então (aliás, desde antes) mantém sincera amizade com meu pai.
Fiquei sabendo, faz algum tempo, como se deu o início dessa amizade.
Lá pelos idos da década de 70, eu nem pensava em nascer (sou de 1978), meu pai viu texto do Prof. Ives, com o qual não concordou, e escreveu outro refutando as suas idéias. Citava expressamente o texto do Prof. Ives, e apontava os pontos nos quais ele estaria, em sua opinião, equivocado. Foi publicado na mesma revista.
Até então, acho, eles não se conheciam. Meu pai ensinava Direito Tributário na Unifor, mas não era muito conhecido fora do Ceará. Tinha um livro sobre o ICM, lançado em 1971, mas que não havia circulado satisfatoriamente fora do Estado.
Pois bem. Algum tempo depois, o Prof. Ives, tomando conhecimento daquele autor do Ceará que escrevia sobre Direito Tributário, convidou-o para participar de Simpósio que organizava em São Paulo. E, ao final do evento, convidou-o, e a alguns outros participantes, para um jantar em sua casa.
Depois do jantar, e de muitas conversas agradáveis, meu pai tomou coragem e perguntou: - Ives, a que te devo tanta gentileza? Tudo o que fiz foi escrever texto discordando do seu...
Ao que o prof. Ives respondeu:
- Hugo, os que só concordam comigo não me ajudam a crescer.

A lição contida na frase, embora notável, e verdadeira, não costuma ser lembrada por muita gente. Aliás, no meio jurídico, e especialmente tributário, que tanto se queixa de ser "científico", não são poucos os professores que tomam uma divergência como uma ofensa séria, motivo para passar muito tempo, ou até a vida toda, sem falar direito, ou sem falar de jeito nenhum, com o opositor. Alguns passam a uma espécie de index librorum prohibitorum e são até proibidos nas bibliografias dos orientandos dos criticados/melindrados, que se não quiserem problemas sérios não devem inventar de citá-los.
Procurei pensar muito nisso na última quarta-feira à noite, na banca de qualificação de minha tese, na qual levei algumas lapadas leves. Gostei muito, mas muito mesmo das críticas que fizeram. Mostrou que leram com atenção o trabalho, entenderam o que tentei dizer nele, e até gostaram. Mas, se não tivessem criticado, não teriam me ajudado a melhorar, para a defesa, o que é justamente a finalidade de exame de qualificação. Assim, vão permitir que eu corrija aqueles pontos nos quais reconheço a procedência da crítica, bem como reforçar ou esclarecer aqueles em relação aos quais penso que a crítica não é consistente. Depois comento o assunto em post específico.

4 comentários:

Jorge Araujo disse...

Em sempre digo isso, embora não com as mesmas palavras.
Bom saber que o velho Yves, embora reacionário, seja permeável a razões contrárias.

Raquel Machado disse...

Jorge,
Esse é realmente um dado digno de nota.
No âmbito tributário propriamente dito, concordo com muitos (a maior parte) dos posicionamentos do prof. Ives (com "I").
Em relação a outros assuntos, de cunho mais constitucional, minha concordância é bem menor, como ocorre em relação a temas como direitos indígenas, aborto de anencéfalos e pesquisas com células tronco.
Mesmo assim, embora não concorde com elas, não consigo não respeitar as opiniões dele.
Já pensou como seria chato se todos pensássemos do mesmo jeito?

Jânio Vidal disse...

Caro Hugo,

A "inspiração" do Ives Gandra é Santo Agostinho: "Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem."

Abs.

Jânio Vidal.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Jânio,
Uma honra ter seus comentários aqui no blog.
É verdade, a inspiração parece clara.
Mesmo não sendo dele a autoria da frase (e nem ele pretendeu que fosse), o notável, que procurei ressaltar, foi o fato de ele COLOCAR EM PRÁTICA a lição.
grande abraço