terça-feira, 24 de março de 2009

Certidão negativa e recuperação judicial

Tem sido noticiado que diversos tribunais do país têm dispensado a apresentação de certidões negativas de débito como condição para a homologação de planos de recuperação judicial (clique aqui).
É mesmo absurda a exigência de certidão. O tema, aliás, comporta interessante discussão a respeito da racionalidade que se espera das disposições normativas. Há postulado, implícito no ordenamento, de que o legislador emita prescrições racionais?!
Parece-me que sim. E esse postulado é malferido pela exigência de certidões de que se cuida, que se acha no art. 57 da Lei de Falência e de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005 - clique aqui), e no art. 191-A do CTN.

Sobre o art. 191-A do CTN, aliás, eu tive a oportunidade de anotar, no meu "Código Anotado" (clique aqui): 

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos,  observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei . (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
------- Anotações:------
IRRACIONALIDADE E CONTRADITORIEDADE DA DISPOSIÇÃO DO ART. 191-A – Parece-nos inteiramente contraditório, e por isso mesmo irrazoável, exigir a apresentação da certidão de quitação de todos os tributos como condição para a concessão de recuperação judicial. Isso porque uma das coisas que o requerente de uma recuperação judicial tem maior dificuldade em obter é precisamente a prova de quitação de todos os tributos, tanto que um dos efeitos da concessão de uma recuperação judicial é a “dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça as suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios...” (Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, art. 52, inciso II). Ora, como se concebe que a concessão da recuperação judicial tenha como efeito liberar o contribuinte da apresentação de certidões, mas a apresentação destas seja condição sine qua non para a concessão da recuperação? Um verdadeiro nonsense, algo como o diretor de um lar de desabrigados afirmar que um prato de comida será fornecido gratuitamente apenas aos mendigos que já estiverem alimentados, ou o diretor do posto de saúde condicionar a liberação de medicamentos à comprovação, por parte de quem os irá tomar, de que não padece da doença a ser remediada.
Pode-se entender, porém, sobretudo em função da referência ao disposto no art. 151 do CTN, que o Juiz, para conceder a recuperação, poderá determinar primeiro a suspensão da exigibilidade de eventual crédito tributário que esteja a impedir o fornecimento da certidão de quitação. Para Sacha Calmon Navarro Coelho, o juiz terá de deferir, antes, o parcelamento de que cuida o art. 155-A, §§ 3.º e 4.º do CTN, pois “se para concessão da recuperação judicial será necessária a apresentação de certidão com efeitos negativos, o parcelamento deverá anteceder o deferimento da concessão; do contrário, um impedirá o outro.” (Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 867). No mesmo sentido: Hugo de Brito Machado, Comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo: Atlas, 2005, v.3, p. 730

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Para quem tiver interesse no debate, o tema foi aprofundado no livro "Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte", editado pela Dialética sob a coordenação de Hugo de Brito Machado (clique aqui e aqui):


Na verdade, deveria ter sido aprovada, junto com a Lei 11.101/2005, uma outra, instituindo um "parcelamento especial" para os contribuintes em processo de recuperação judicial. Assim, o contribuinte pediria a recuperação, em seu processamento o juiz dispensaria a apresentação de todas as certidões (art. 52, II), deferiria também o parcelamento especial (com o qua a empresa conseguiria todas as certidões, com amparo nos arts. 151, VI e 206 do CTN), sendo assim viável a posterior concessão da recuperação, nos termos do art. 191-A do CTN, e a homologação do plano de recuperação, nos termos do art. 57 da Lei 11.101/2005. O problema é que essa lei com o referido parcelamento não foi elaborada.
E, mesmo assim, não se pode negar o quão contraditório é dar ao processamento da recuperação o efeito de dispensar a apresentação de certidões, mas, ao mesmo tempo, exigi-las para a sua concessão. Parecem acertadas, portanto, as decisões dos TJs mencionados nas notícias que têm circulado na internet. Afinal de contas, beneficiam a própria Fazenda, pois da empresa falida seria ainda mais difícil cobrar o passivo tributário. Melhor é que se recupere mesmo. Aliás, esse é o espírito da nova legislação falimentar, que considera a função social da empresa, que deve ser preservada. O Fisco não pode matar a galinha dos ovos de ouro, ou, como se diz, derrubar a árvore para colher os frutos. Ainda mais em tempos turbulentos como os que vivemos.

2 comentários:

Lamlid Nobre disse...

Pergunta: em que baseia-se a exigencia da CERTIDAO NEGATIVA DE FALENCIA E RECUPERAÇA JUDICIAL PARA PARTICIPAO DAS EMPRESAS EM PROCESSOS LICITATÓRIOS??

grata pela resposta

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Não entendi sua questão. Você fala de certidão negativa de falência? O post trata de certidão negativa de débito tributário, o que é algo diverso.
No caso de uma empresa em processo de falência, ou de recuperação judicial, a restrição a que participe de processo licitatório funda-se, certamente, na capacidade econômico-financeira que o licitante deve demonstrar, a fim de que a Administração tenha a confiança de que ele poderá prestar o serviço, realizar a obra, fornecer a mercadoria etc.
Afinal, quem investiria na contratação da construção de um edifício com uma construtora às beiras da falência?