Tem sido noticiada a crítica do Presidente da OAB às empresas que procederam a demissões mesmo depois de terem recebido ajuda do Poder Público (clique aqui). A esse respeito, a Raquel já havia publicado pequeno texto sobre o assunto, no Diário do Nordeste de 19/1/2009 (clique aqui).
Os empresários defendem-se dizendo que não é razoável manter um corpo de funcionários necessários para uma produção que atenda a demanda de X, quando essa demanda está reduzida a X/2, por exemplo. Seriam obrigados a manter funcionários ociosos.
É verdade. Não é razoável obrigá-los a manter empregados ociosos.
Mas qual seria a razão, então, para o Governo os ajudar? Usando o mesmo argumento, é razoável que o Governo use recursos públicos para socorrer empreendimentos privados, se a única conseqüência desse socorro é evitar que seus detentores tenham perdas?
É preciso lembrar que vivemos em uma sociedade capitalista, que privilegia a livre iniciativa, e que por isso mesmo todos temos o direito de exercer uma atividade econômica, arcando com os riscos a ela inerentes e ficando, em contrapartida, com o lucro eventualmente obtido. Tal como Churchill disse a respeito da democracia, pode-se dizer também da liberdade de iniciativa que ela até pode ser ruim, mas seguramente é melhor que a alternativa. Quem duvidar que leia 1984, de Orwell, ou, caso pense que se trata de mera ficção, que veja o relato "Escolhi a liberdade", de Victor Kravchenko (3.ed. Tradução de Maria Helena Amoroso Lima Senise. Rio de Janeiro: Editora A Noite).
Amartya Sen, de forma notável, destaca que ser
"genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre pessoas (ainda que certas conversas sejam claramente infames e causem problemas a terceiros – ou até mesmo aos próprios interlocutores). A liberdade de trocar palavras, bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mais distantes; essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem na sociedade (a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto). (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 21.)
Confirmando a observação de Sen, os livros que referi, de Orwell e Kravchenko, narram situações bastante ilustrativas da relação entre proibir trocas e proibir também conversas, e do quanto isso pode ser estapafúrdio. Por isso, o Estado não deve intervir na economia, em regra, senão para garantir a própria livre iniciativa (ao maior número de pessoas possível, e não apenas aos "grandes"), e para manter o equilíbrio entre a preservação da livre iniciativa e a promoção de outros valores igualmente caros, como a proteção do meio ambiente, a valorização do trabalho etc. É o que consta do art. 170 de nossa Constituição.
Se a economia vai bem, e os agentes econômicos lucram, ótimo. Pagam tributos por isso, mantendo o Estado ao qual cabe, pelo menos em tese, organizar uma estrutura que garanta às pessoas igualdade de oportunidades no âmbito dessa livre competição (v.g., oferecendo-lhes saúde, educação etc.).
Se a economia vai mal, e os agentes econômicos têm prejuízos, isso é ruim. Não só para eles, que devem estar preparados para o risco (o qual envolve não apenas a possibilidade de ganhos, mas também de perdas), mas para os empregados e para a sociedade em geral.
Nesse contexto, a principal razão para o Poder Público oferecer ajuda - com dinheiro público! - a empresas em dificuldades é mitigar ou minimizar os males PARA A SOCIEDADE que a ruina do empreendimento poderia trazer: as demissões, o desemprego etc.
Se o empresário recebe a ajuda do governo, e ainda assim demite seus empregados, a ajuda não estará sendo usada para evitar os efeitos maléficos do insucesso do empreendimento para a sociedade, mas para garantir que o empresário não sofra os efeitos desse insucesso, que, de resto, é inerente ao risco da atividade que exerce. Não tem, em suma, o menor sentido.
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